quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Devaneios de uma roqueira 15


* Por Fernando Yanmar Narciso

CAPÍTULO 7 (PARTE 1/2)


Costa e as meninas davam os últimos retoques em meu look quando meu celular tocou pela primeira vez. Há anos eu gravei o riff de abertura de Swlabr, do Clapton, em minha velha guita Schecter e a uso como toque de celular. Como era ligação a cobrar nem dei ouvidos. Mas a pessoa do outro lado era tão pentelha que ligou mais cinco vezes. Paciência...

Era um pouco além das dez e meia quando Bárbara entrou no Costello’s. A pobre parecia ter entrado no octógono com a Ronda Rousey e conseguido um empate técnico no 2º round! O corpo tremia como em convulsão, a roupa ‘tava’ toda amarfanhada, ‘tava’ sem o alforje de couro, o rosto inchado de tanto chorar, arrastava o pé direito de lado, como se ele tivesse murchado igual a um pneu.
-Kurt Cobain, prima!- Me levantei num bote para acudi-la, quase que Tandera me atravessou a unha do indicador esquerdo com o bico do alicate de cutícula- Que foi que te aconteceu, moça?

Ela não conseguia nem sussurrar, sua voz falhava como uma TV mal sintonizada. Logo as meninas vieram me ajudar a levá-la até o sofá, aonde ela se esparramou parecendo um pudim tirado do fogo antes da hora.
-Seu cabelo tá ficando lindo, prima...
- Ah, tá gostando? Quer dizer, ‘num’ desvia o foco, Barbie! Que foi que houve contigo?
- Quebradas... Quebradas... A gente... A gente faliu, Lex...
- Faliu? Como assim? Anda logo com esse copo d’água, Lays, vem!
- Não. Quero água não... Quê que ‘ocê’ tem de álcool e bem forte nessa birosca, Costello?
- Aqui? Só se for loção pós-barba, perfume, tintura pra cabelo...
- ‘NUM’ É HORA DE PIADA, COSTA! TÁ VENDO COMO MINHA PRIMA TÁ, NÃO?!?
- Por favor, Lex. Toca comigo lá pro bar do escocês... Só com muito gole pra engolir minha situação...
- Beber assim, antes do almoço, em dia normal de trabalho?
- ‘Num’ me contesta, por favor. ‘Vamo’ só lá pro escocês, que eu te explico...
- OK, OK... Tipo, as meninas nem terminaram de fazer minha geral, mas a gente pode continuar mais tarde, ‘num’ pode? Posso pendurar?
- Uai, parece que ‘ocê’ nem tem escolha, né, Vermelha?
- Vem comigo, prima- Ela se derreteu em cima do meu ombro- Menina, parece que perdeu até peso!

Well, são sete quadras ladeira acima e tinha uma mulher de 32 anos e um metro e oitenta e cinco debruçada nas minhas costas, mas amizade é amizade... Sorte minha que tudo é perto aqui em São Modesto, até o necrotério. E lá estava ele, o Bar & Casa De Shows do Escocês, nosso grande companheiro, ou como diria o slogan do Corpo de Bombeiros, ‘O amigo incerto na hora certa’.

Três quadras adiante do nosso tosco Arco do Triunfo, o primeiro prediozinho da esquina à direita. Um legítimo Pub britânico, com decoração- ou falta dela- típica daquela região. Os já tradicionais bebuns em coma alcoólico espalhados pelo chão do bar e à beira da sarjeta, uma cabeça de javali empalhada, com um par de calças pendurado nas presas e pendurada sobre e entre as portas dos banheiros, que o dono carinhosamente chama de ‘Nessie’. Ele devia espanar aquela coisa de quando em vez...

Nas prateleiras a quantidade de ídolos de madeira e porcelana de São Patrício é quase tão grande quanto a de garrafas de uísque e canecos de festival da cerveja caseira. Com pouco esforço consegui aninhar Barbie no banquinho, ela ‘tava’ tão mal que quase foi de nariz na quina do balcão.
- Esquenta não, prima. Logo ‘ocê’ vai ficar boa... Ô escocês, corre aqui pra acudir!
- Já vai, já vai... Quê que tá acontecendo aqui?

Lá veio nosso host, Seamus McCallister, o popular escocês. Os amigos dizem que o velho Seamus tem tudo pra ser meu verdadeiro pai por causa da pele branquíssima e do longo cavanhaque ruivo, mas até onde me lembro, paizinho morreu comigo nos braços quando nasci. Plus, um sujeito gordão, careca e tosco como o escocês dificilmente seria por um artista performático holandês como o era meu esquálido pai Gunnar. Sem falar que ele provavelmente ficaria uma piada usando boina e collant de veludo preto...

Devoto fervoroso de São Patrício e torcedor doente do Celtic Football Club, maior vencedor do campeonato das highlands, há anos a Barbie conquistou o direito de comer e beber o que quiser por conta da casa. Why? Até hoje, só ela e Jô, o leão de chácara de Ulysses, conseguiram ganhar dele na queda de braço, but minha prima foi a primeira e única a conseguir bater nele cinco vezes seguidas! Five in a row! Nem o monstro do Lago Ness resistiria a uma humilhação dessas!
- Bárbara ta aqui passando mal, escocês. Um trauma horrível que ela ainda ‘num’ conseguiu me contar.
- Tô vendo... E o que querem que eu faça?
- Pra mim pode trazer um copo de café mesmo e o ‘doçante’. E ‘ocê’, Barbie...
- Traz a garrafa de Drury’s, uma caixa de cigarro mata-rato, um copo duplo e o açucareiro.
- Tem certeza, a essa hora?
- ‘Num’ contesta, prima. Só pede o que eu pedi...
- Kurt Cobain...

Vieram nossos pedidos. Bárbara encheu o copo até a boca, virou meio açucareiro dentro, misturou com a haste dos óculos e quase inalou num gole só.
- Pelas flores na cabeça de Janis Joplin, que ‘trem bão’, sô!’
- Well, agora que já relaxou, dá pra falar logo o que foi que aconteceu ‘concê’?

CONTINUA...


* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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