sábado, 21 de novembro de 2015

Contribuição feminina para a Filosofia


O livro “O mundo de Sofia”, do norueguês Jostein Gaarder, tem, como principal personagem, que inclusive dá título à obra, uma figura feminina. Até aí, eu não disse nada de novo. Limitei-me ao óbvio, que o saudoso dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues classificaria de “ululante”, termo que criou para caracterizar o máximo de obviedade. Destaco, todavia, esse aspecto não gratuitamente. Tenho um objetivo específico com essa menção óbvia. Nesse livro, originalíssimo, misto de romance e de retrospecto da História da Filosofia, o autor não cita uma única filósofa. Deveria, já que a “aula” é toda voltada para uma adolescente, Sofia Amudsen, claro, do sexo feminino. Não se trata de crítica, mas de constatação.

Gaarder como que justifica essa omissão, nesta única e lacônica informação    que presta: “(...) Nenhum filósofo se preocupa em responder a todas as questões filosóficas. Estou me referindo especificamente aos filósofos homens. Pois a história da filosofia é permeada pela presença de homens. Isso porque a mulher foi historicamente menosprezada, como ser do sexo feminino e também como ser pensante. Isso é triste, uma vez que assim se perderam muitas experiências importantes. Somente no nosso século é que as mulheres entraram de fato para a história da filosofia (...)”;

Jostein Gaarder está certo e errado ao mesmo tempo. Parece contradição, mas já já explicarei. Quando o escritor afirma que “somente no nosso século é que as mulheres entraram de fato para a história da filosofia”, referiu-se ao século XX, quando escreveu seu livro. Gaarder está certo ao destacar a preponderância masculina nesse campo específico do pensamento. Isso não quer dizer, todavia, que o mundo não teve nenhuma filósofa antes do século XX. Curioso, como sou, saí á cata de pesquisas a respeito. E encontrei, na Wikipédia, menções a pelo menos 37 mulheres que se dedicaram à Filosofia. Claro que é um número irrisório se o compararmos ao de homens, que ascende a várias dezenas de milhares, se não mais. Mas a contribuição feminina para a história da filosofia não foi nada desprezível. Muito pelo contrário. Quantidade nem sempre (ou quase nunca) é certeza de qualidade.

Outro ponto em que Gaarder tem razão é que nenhuma obra filosófica das filósofas da Antiguidade chegou até nós, mesmo que incompleta. Há, sim, citações a elas, feitas por filósofos masculinos como Pitágoras, Platão e, sobretudo, Aristóteles, entre outros. O autor do verbete que consultei na Wikipédia observou: “A história da filosofia demonstra a presença de várias mulheres filósofas”. Mas aduz, na sequência: “Seus trabalhos não foram reconhecidos e difundidos por questões culturais”. Dá, portanto, posto que parcialmente, razão ao escritor norueguês. Porém arremata: “Mas a filosofia desde as suas origens pertenceu ao gênero humano independente de sexo”. Pena que pouquíssima coisa do pensamento feminino, a propósito de quem somos, de onde viemos, onde estamos e para onde vamos chegou até nós, dada a extrema burrice do preconceito masculino.

Proponho-me a abordar, mesmo que em uma única linha, todas as 37 filósofas que a Wikipédia registra, nesta série de comentários sobre o livro de Jostein Gaarder e, de lambuja, sobre a história da Filosofia. É pouco? É pouquíssimo (e lá venho eu com minha mania de superlativos que neste caso, pelo menos, mais que se justifica)!!! Mas é o que pude arranjar em minhas pesquisas. Citá-las é questão de justiça.

E menciono, logo de cara, uma pioneira que, de acordo com a Wikipédia, foi a “primeira pensadora da história”. E não foi grega, como o leitor possa imaginar. Foi suméria. Refiro-me a Enheduana. Ela foi o primeiro ser humano de que se tem notícia a assinar as próprias obras. E estas, ao contrário de tantas outras filósofas, sobreviveram ao tempo e ao esquecimento em tabuletas de barro na escrita cuneiforme. Nesse aspecto, os sumérios deram “de goleada” nas demais culturas.

Enheduana viveu em período muito anterior à chegada das hordas indo-europeias ao território que constituiria séculos mais tarde as várias cidades-Estado gregas. Não havia, portanto, sequer embrião do que ficou conhecido como a Hélade, ou como Grécia. O pioneirismo dessa mulher não se restringiu ao pensamento filosófico. Ela foi, também, de acordo com a Wikipédia, “a primeira sacerdotisa (sábia, filósofa) do templo da deusa lua”. Nesse local, essa mulher notável “dirigia várias atividades”, como comércio e artes. Ali “também eram ensinados matemática, ciências e especialmente o movimento das estrelas e dos planetas”. Enheduana “escreveu 42 hinos para a deusa Inana e é por isso uma das principais fontes da mitologia suméria”. Além do que, observe-se, foi uma mulher muito bonita, pelas imagens que restaram dela e que chegaram até nós.

Das 37 filósofas citadas pela Wikipédia, eu já havia lido algo a respeito de dez, mas sequer desconfiava que a maioria delas fosse dada a “filosofar”. Boa parte das que conhecia é constituída por sacerdotisas dos templos dos vários deuses gregos. Elas merecem, sem dúvida, ser pelo menos mencionadas nominalmente, para que seus nomes não se apaguem jamais da memória das gerações, dado seu pioneirismo e, claro, sua contribuição para que a humanidade fosse pelo menos um pouquinho mais esclarecida, embora não tanto quanto poderia e deveria ser. Mas... esta é uma outra história que ficará para outra vez...

Boa leitura.


O Editor.

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