Exímios sugestionadores
* Por Pedro J. Bondaczuk
A Literatura é muito mais
sugestão do que descrição. Quanto maior for a perícia de um
escritor em despertar (e mexer com) a imaginação dos seus leitores,
maior será seu potencial de prender sua atenção e torná-lo
cúmplice da sua criação. Jorge Luís Borges afirmou, anos atrás,
que nós, literatos, não criamos os contos e romances que nos são
atribuídos. Limitamo-nos a “sugerir” as histórias, que são, na
verdade, completadas ao gosto de cada um pelos que as leem.
Sobre a poesia, nem é
necessário ressaltar o quanto tem de sugestão. É um tipo de texto
feito a caráter para a emoção e a imaginação, muito mais do que
ao mero raciocínio. Abundam metáforas de toda a sorte que nos fazem
viajar e adaptar as palavras escritas ao nosso gosto e à nossa
realidade pessoal.
Em contos, novelas, romances e
peças de teatro, por sua vez, não descrevemos os personagens de
sorte a torná-los “reais”, de carne e osso. Para tanto, seria
necessária uma fotografia, já que uma única imagem vale por mil
palavras. Limitamo-nos a descrever características gerais deles, ou
seja, se são gordos ou magros, altos ou baixos, maltrapilhos ou
bem-vestidos etc.etc.etc. Cada leitor complementa a imagem que faz do
sujeito que pretendíamos descrever à sua maneira. O mesmo vale em
relação a cenários.
Por mais que descrevamos
determinada casa, por sua vez, quem lê nosso texto interpreta nossa
descrição (por mais perfeita e detalhada que seja) de uma forma
pessoal, nunca igual à que imaginamos. Limitamo-nos a descrevê-la
em linhas gerais, determinando se ela se localiza em uma favela e não
passa de um barraco mambembe, se fica em um bairro de classe média e
tem relativo conforto, posto que não tenha luxo ou se é alguma
mansão, com todos os requintes que o dinheiro pode comprar.
Nunca, por exemplo, um
romance, ao ser adaptado para o cinema, tem os “mesmos”
personagens e cenários que o escritor criou, embora, não raro,
sejam até melhores do que os da sua imaginação. É provável, por
exemplo, que a heroína de algum dos meus contos, embora bela mulher,
esteja infinitamente distante da beleza de uma Júlia Roberts (como,
também, pode ser muitíssimo mais bonita) Ou que o sujeito cuja
história estou narrando não tenha a mais remota semelhança com Tom
Cruise.
Daí ser altamente desejável
ao escritor que desenvolva sua capacidade de sugestão, mediante uma
linguagem coloquial e amigável, que faça do “parceiro” da sua
obra, o leitor, seu grande e competente cúmplice e não o afugente
com cansativas e, em geral inócuas descrições.
Há autores que têm o raro
talento de, em pouquíssimas palavras, elaborar textos criativos,
inteligentes e completos, posto que curtos. São exímios
“sugestionadores” e conseguem transformar os leitores, se não em
parceiros de criação, pelo menos em cúmplices das teses que
expõem.
Fique claro, porém, que não
há nada de errado com quem escreve textos extensos, livros com
vários volumes, às vezes com 5 mil páginas ou mais. Claro, desde
que o assunto abordado assim o exija e que não haja palavras
supérfluas, não seja repetitivo e que, sobretudo, exista sólido e
extenso conteúdo no que escreveu. Ou seja, que não se trate de mera
“enrolação”. Como leitor compulsivo, prefiro este tipo de
escrita, que “vale o quanto pesa”.
Todavia, quem conta com
capacidade de síntese, diz mais coisas, em menor espaço. Pode nem
ser tão didático (e não é) quanto quem escreve textos bastante
longos, mas leva a vantagem da variedade e do talento de sugestionar
o leitor. Ou seja, seus livros nunca são “samba de uma nota só”
e não comportam uma única interpretação, mas tantas quantas forem
seus leitores. Tratam, por exemplo, de dezenas de assuntos, num único
volume, ao passo que, quem não conta com essa capacidade de síntese,
precisaria de uma dezena ou mais deles para dizer as mesmas coisas.
Já tive a oportunidade de
editar contos curtíssimos, de escassos dois parágrafos, e que ainda
assim foram completos, com começo, meio e fim. Ou seja, coerentes,
instigantes e verossímeis. Quem achar que é fácil escrever desta
maneira que o tente, para ver que as coisas não são o que parecem.
É difícil! Dificílimo! Para a maioria dos escritores, é até
impossível.
Claro que o valor de qualquer
obra literária não está em sua extensão. Há muito texto capenga,
sem rumo, direção ou sentido, composto de poucas palavras. São tão
ruins, que nem dá para considerá-los “Literatura”. Como também
há produções extensíssimas, que requerem tempo imenso para serem
lidas, sumamente atrativas.
Há livros “massudos” que
o leitor até reluta em tirar da estante e muito menos em abrir.
Mas... quando começa a leitura, não quer mais parar, tamanha é a
capacidade do autor de torná-lo “cúmplice”. O que conta, de
fato, em Literatura, portanto, é sempre o conteúdo (está implícito
que a forma seja rigorosamente correta, clara e lúcida). Todavia,
que a capacidade de síntese, de um escritor talentoso e criativo, é
uma arma a mais para seu sucesso, disso não resta a menor dúvida.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Um meio termo cabe aqui mais uma vez.
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