A volta impossível
* Por Pedro J. Bondaczuk
O homem, à medida que o tempo passa e que, por conseqüência, envelhece, tem a (inútil) tendência de “raciocinar para trás”. Ou seja, de buscar nas lembranças compensações para os desgostos, recalques e remoques que eventualmente esteja enfrentando no dia a dia. Busca sentir-se –, ao menos aos próprios olhos –, bem sucedido, importante e realizado, em especial quando seus feitos reais (quando existem, é claro) já foram ultrapassados e/ou esquecidos não apenas pelas novas gerações, mas até pelos contemporâneos.
Alguns satisfazem-se “apenas” com essa aparente compensação, que eles próprios criam, o que é ilusão. Não passa de miragem no deserto de uma existência sem brilho e sem resultados. Muito do que alegam lembrar – e, em geral, são sinceros e acreditam que sejam, de fato, lembranças –, nunca aconteceu. Não, pelo menos, da forma que apregoam que “lembram”. A memória é traiçoeira e pródiga em nos pregar cada peça! As pessoas que agem assim, consciente ou inconscientemente, estabelecem conflito entre o real e o ideal. Ou seja, entre o que de fato ocorreu e o que “acham” que tenha ocorrido.
Alienam-se do mundo. Substituem planos e projetos concretos, metas pelas quais deveriam lutar incansavelmente e sem tréguas, por supostas lembranças, por passiva contemplação do que as cerca, não raro se julgando credoras de reconhecimento de méritos (que em geral não têm) e de respeito (que não souberam conquistar). Com isso, deixam de viver. Abrem mão de usufruir a vida como ela é. Evitam de se expor. E perdem, na maioria das vezes, preciosas oportunidades de realização. De, se não serem felizes, pelo menos se “aproximarem” de algo bem próximo do que em geral se entende por “felicidade” (que, afinal, é um conceito extremamente subjetivo e ambíguo). Resultado? Amargura, depressão, quando não prematura “auto-anulação”.
Essa tentativa de “volta” (inútil) ao passado, esse giro ao contrário dos ponteiros do relógio, seria possível (pelo menos no terreno prático e não no da ficção), ou até mesmo desejável? Ou seria melhor aproveitar o tempo que nos resta (que nunca sabemos qual é) para ousarmos, para nos expormos, para produzirmos, para criarmos, para participarmos ativamente do mundo, com seus riscos e contradições, e assim sorvermos o cálice da vida até a derradeira gota? Entendemos que a segunda opção é a válida.
É a atitude mais lógica, mais digna e, sobretudo, mais prática e coerente que podemos adotar. O escritor mineiro, Cyro dos Anjos, no livro “Dois Romances”, abordou esse tema de forma nua e crua e concluiu: “Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás”.
O segredo está em saber o que fazer com o tempo, quando julgamos que a nossa tarefa já está concluída. Na verdade, nunca está. Ou não deveria estar jamais. Morreremos e a deixaremos inconclusa, inacabada, às vezes pela metade e, em determinados casos, sequer no princípio. É o preço da nossa efemeridade. Esse tipo de alienação –, na verdade fuga dos sentimentos, emoções e relacionamentos –, implica, antes de tudo, na admissão tácita de impotência e de inutilidade. Representa “fugir da luta”, não raro antes mesmo dela haver começado.
O filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, adverte: “Como todas as ocasiões, esta ocasião é muito boa, se apenas soubermos o que fazer com ela”. Aí é que são elas! Pouca gente sabe o que fazer com o seu tempo. Desperdiça-o com lamentações estéreis e com babosas manifestações de autopiedade, quando deveria batalhar por objetivos, mesmo que não factíveis, utilizando, como trunfo, a experiência adquirida, o conhecimento amealhado e as emoções sentidas.
Há pessoas que fracassam em seus empreendimentos (materiais, intelectuais ou emocionais, não importa) por falta de confiança em suas forças, em seu talento, em sua integridade pessoal e no que aprenderam ao longo dos anos. Há os que se dão mal nos relacionamentos pelo simples temor de se “dar” ao próximo. Fecham-se, hermeticamente, em uma concha indevassável, alienam-se de tudo e de todos e criam um mundo de fantasias, que nunca existiu e nem tem possibilidade de existir, no qual acreditam que sejam (ou que serão) “felizes”. Não o são, obviamente. Nunca serão! E não merecem, a rigor, essa felicidade, da qual abriram mão, ao se recusarem a lutar por ela.
O poeta Simon Tygel compôs expressivo poema, denominado “O Homem da Noite” (magistralmente traduzido por Guilherme de Almeida), que ilustra a caráter como deve ser essa permanente busca por nossos ideais (mas no mundo real, onde sua concretização é potencialmente possível), que diz:
“Já é noite
e os homens repousam
longe do dia morno
no olvido retorno
de um sol que incendeia
as almas.
Já é noite
e os homens repousam
sobre a cinza e sobre a poeira.
Já é dia
e os homens caminham
no ar pesado
e as gotas na sua testa
fazem brilhar as réstias
e as gotas nos seus olhos
engendram rugas quietas.
Já é dia
e os homens caminham
para a cinza e para a poeira.
Amanhã será dia
amanhã será noite
por um pouco de amor
com longas mãos os homens
mexem seus pensamentos
sob a cinza e sob a poeira”.
Deveriam, na verdade, agir, em vez de se entregar a inúteis e estéreis elucubrações...Sempre é tempo de ser feliz. Afinal, é nossa obrigação pelo menos tentar obter esse precioso “troféu” (que está muito mais próximo das nossas mãos do que ousamos supor)...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
* Por Pedro J. Bondaczuk
O homem, à medida que o tempo passa e que, por conseqüência, envelhece, tem a (inútil) tendência de “raciocinar para trás”. Ou seja, de buscar nas lembranças compensações para os desgostos, recalques e remoques que eventualmente esteja enfrentando no dia a dia. Busca sentir-se –, ao menos aos próprios olhos –, bem sucedido, importante e realizado, em especial quando seus feitos reais (quando existem, é claro) já foram ultrapassados e/ou esquecidos não apenas pelas novas gerações, mas até pelos contemporâneos.
Alguns satisfazem-se “apenas” com essa aparente compensação, que eles próprios criam, o que é ilusão. Não passa de miragem no deserto de uma existência sem brilho e sem resultados. Muito do que alegam lembrar – e, em geral, são sinceros e acreditam que sejam, de fato, lembranças –, nunca aconteceu. Não, pelo menos, da forma que apregoam que “lembram”. A memória é traiçoeira e pródiga em nos pregar cada peça! As pessoas que agem assim, consciente ou inconscientemente, estabelecem conflito entre o real e o ideal. Ou seja, entre o que de fato ocorreu e o que “acham” que tenha ocorrido.
Alienam-se do mundo. Substituem planos e projetos concretos, metas pelas quais deveriam lutar incansavelmente e sem tréguas, por supostas lembranças, por passiva contemplação do que as cerca, não raro se julgando credoras de reconhecimento de méritos (que em geral não têm) e de respeito (que não souberam conquistar). Com isso, deixam de viver. Abrem mão de usufruir a vida como ela é. Evitam de se expor. E perdem, na maioria das vezes, preciosas oportunidades de realização. De, se não serem felizes, pelo menos se “aproximarem” de algo bem próximo do que em geral se entende por “felicidade” (que, afinal, é um conceito extremamente subjetivo e ambíguo). Resultado? Amargura, depressão, quando não prematura “auto-anulação”.
Essa tentativa de “volta” (inútil) ao passado, esse giro ao contrário dos ponteiros do relógio, seria possível (pelo menos no terreno prático e não no da ficção), ou até mesmo desejável? Ou seria melhor aproveitar o tempo que nos resta (que nunca sabemos qual é) para ousarmos, para nos expormos, para produzirmos, para criarmos, para participarmos ativamente do mundo, com seus riscos e contradições, e assim sorvermos o cálice da vida até a derradeira gota? Entendemos que a segunda opção é a válida.
É a atitude mais lógica, mais digna e, sobretudo, mais prática e coerente que podemos adotar. O escritor mineiro, Cyro dos Anjos, no livro “Dois Romances”, abordou esse tema de forma nua e crua e concluiu: “Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás”.
O segredo está em saber o que fazer com o tempo, quando julgamos que a nossa tarefa já está concluída. Na verdade, nunca está. Ou não deveria estar jamais. Morreremos e a deixaremos inconclusa, inacabada, às vezes pela metade e, em determinados casos, sequer no princípio. É o preço da nossa efemeridade. Esse tipo de alienação –, na verdade fuga dos sentimentos, emoções e relacionamentos –, implica, antes de tudo, na admissão tácita de impotência e de inutilidade. Representa “fugir da luta”, não raro antes mesmo dela haver começado.
O filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, adverte: “Como todas as ocasiões, esta ocasião é muito boa, se apenas soubermos o que fazer com ela”. Aí é que são elas! Pouca gente sabe o que fazer com o seu tempo. Desperdiça-o com lamentações estéreis e com babosas manifestações de autopiedade, quando deveria batalhar por objetivos, mesmo que não factíveis, utilizando, como trunfo, a experiência adquirida, o conhecimento amealhado e as emoções sentidas.
Há pessoas que fracassam em seus empreendimentos (materiais, intelectuais ou emocionais, não importa) por falta de confiança em suas forças, em seu talento, em sua integridade pessoal e no que aprenderam ao longo dos anos. Há os que se dão mal nos relacionamentos pelo simples temor de se “dar” ao próximo. Fecham-se, hermeticamente, em uma concha indevassável, alienam-se de tudo e de todos e criam um mundo de fantasias, que nunca existiu e nem tem possibilidade de existir, no qual acreditam que sejam (ou que serão) “felizes”. Não o são, obviamente. Nunca serão! E não merecem, a rigor, essa felicidade, da qual abriram mão, ao se recusarem a lutar por ela.
O poeta Simon Tygel compôs expressivo poema, denominado “O Homem da Noite” (magistralmente traduzido por Guilherme de Almeida), que ilustra a caráter como deve ser essa permanente busca por nossos ideais (mas no mundo real, onde sua concretização é potencialmente possível), que diz:
“Já é noite
e os homens repousam
longe do dia morno
no olvido retorno
de um sol que incendeia
as almas.
Já é noite
e os homens repousam
sobre a cinza e sobre a poeira.
Já é dia
e os homens caminham
no ar pesado
e as gotas na sua testa
fazem brilhar as réstias
e as gotas nos seus olhos
engendram rugas quietas.
Já é dia
e os homens caminham
para a cinza e para a poeira.
Amanhã será dia
amanhã será noite
por um pouco de amor
com longas mãos os homens
mexem seus pensamentos
sob a cinza e sob a poeira”.
Deveriam, na verdade, agir, em vez de se entregar a inúteis e estéreis elucubrações...Sempre é tempo de ser feliz. Afinal, é nossa obrigação pelo menos tentar obter esse precioso “troféu” (que está muito mais próximo das nossas mãos do que ousamos supor)...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Um texto pouco otimista, e diferente dos demais. Há quem fez muito e foi feliz e ainda continua fazendo. Olhar o passado glorioso nem sempre é sinal de ficar vivendo de passado. Ou de se ter enganado quanto ao que foi vivido. De toda forma dá um bom conselho, estimula a ação. A obra sempre ficará inacabada.
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