O Cristo Mulato 2
* Por José Calvino de Andrade Lima
ATO II
CENA I
CENÁRIO – O mesmo do primeiro ato.
ANOS 80:
Ao abrir-se a cortina, a ação se passa na frente da igreja. Cristo Mulato, caminhando lento, como dirigindo-separa sentar-se num dos degraus da calçada. Traz uma mochila nas costas. Um rapaz se aproxima de Cristo e entrega-lhe uma carta. Cristo abre-a e fica muito contente, e se dirige ao orelhão. Tira o telefone do gancho e disca, começando a falar com voz inaudível. No momento em que desliga o telefone, cambaleia. de súbito, aparece o padre e o segura, sentando-o no meio fio da calçada da igreja.
CRISTO (Voz baixa) – Foi a sopa...
PADRE (Corta, irônico) – Não me digas que a tomou com sanduíche?!
CRISTO (Voz tremula) – Exatamente...
Silêncio
PADRE (Benévolo, rindo de soslaio) – Engraçado, por que não foi almoçar lá em casa?
CRISTO – Não gosto de dar trabalho...(Voz baixa) você não sabe...
PADRE (Corta) – Ora, ora, nada de trabalho. O que, que é isso? (Muito sério) Passou mal por causa do telefonema ou por causa da comida, hem?
CRISTO (Deprimido) – Desculpa?
PADRE (Benigno) – Está desculpado, meu pai. (Advertindo) Cuidado com aqueles palavrões com desrespeito ao governo...
CRISTO (Corta, com voz rouca) – Qual é o respeito que eles têm a nós? (Gritando com horror) Estou morrendo.
Expressão idêntica ao grande escritor russo Anton Tchekhov, só que Kalvinovitch disse em português e Tchekhov disse em alemão: “Ich Sterbe”...
PADRE – ...
CRISTO (Pausa. Com voz abafada ao padre, sorrindo) – Agora, entregue esta mochila à doutora Berenice, lá na... (desmaia)
PADRE (Alarmado) – O que é que o senhor tem?, diga.
Silêncio
Neste momento, o padre olha em derredor, estão os meninos e meninas pobres da cidade.
MENINOS DE RUA (Num só coro) – MORREU.
O padre se benze. Em seguida, telefona do orelhão para a Biblioteca do Fórum. Ouve-se Réquiem de Denisov e Cantos e danças da morte de Petróvitch Mússorgski.
PADRE (Voz abafada ao telefone) – Por obséquio, o endereço da doutora Berenice.
Vozearia
Silêncio
Jogo de cena muda. O padre desliga o telefone, fica um tempo imóvel, fazendo menção como quem quer dirigir-se para a porta de entrada da igreja. Depois, resolve sair às pressas, com a mochila em direção à rua.
Obs: As músicas Réquiem e Cantos e danças da morte, ficam a critério da direção.
FECHA O PANO
CENA II
CENÁRIO – O mesmo da primeira cena.
Época – Um dia depois.
Ao abrir-se o pano é manhã. O sol ilumina toda a igreja, ouve-se as badaladas dos sinos e “O Sino dos Mortos” de Ropartz. Vê-se um caixão de defunto saindo da igreja, sendo conduzido por seis pessoas, e alguns acompanhando o féretro. Cristo Mulato está morto! Ouve-se uma música fúnebre e cânticos religiosos, pouco a pouco saindo de cena o cortejo fúnebre. Algumas pessoas ficam nos degraus e outras no adro e nas calçadas. Formam grupos na rua a conversarem.
Obs: Fica a critério da direção as músicas fúnebres e os cânticos religiosos.
Vozearia
ONIVLAKOVITCH – Cristo Mulato escreveu o seu livro com o pseudônimo de Kalvinovitch Amilov!
POVO:
HOMEM 1 – Ele era um homem bom.
MULHER 1 – Sofreu muito por nós.
MULHER 2 – Ele amava o nosso Brasil.
ALTO FALANTE (Voz de homem) – “Então, se alguém vos disser: Eis aqui o cristo!, ou: Ei-lo ali! Não acrediteis; pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos”. (MC – 13:21 e 22)
HOMEM 2 – Vocês ouviram? Ele era um falso profeta!
MULHER 1 – Ele nunca disse ser o Cristo Jesus, ele gostava mais que o chamassem de Kalvinovitch.
HOMEM 1 – E ele nunca enganou ninguém, e morreu defendendo esta pátria governada por ladrões!
MENINOS (Num só coro) – “Cristo morreu”!
MULHER 2 – É o destino de todos nós.
MULHER 1 – País de sofrimento (Pausa) ingrato!
HOMEM 1 – País dos corruptos, como são grandes os escândalos...
PADRE –...
BERENICE – ...
ONIVLAKOVITCH – Continuaremos a luta... (Pausa) Aqueles dois majores da polícia provocaram tudo isto! (Revoltadíssimo) Digo os nomes deles, sem medo de errar...
BERENICE (Corta, revoltada) – Nem diga, que me causa nojo os nomes desses imbecis. Não merecem sair no livro de grande porte. Saindo, é promoção prá eles. Está no prelo o segundo livro de Kalvinovitch. Sairá lá para outubro ou novembro. Não sai agora por causa destas propagandas políticas. As editoras gráficas estão cheias de serviço.
ONIVLAKOVITCH - E o teatro, vamos terminar?
BERENICE – Vamos, sim. Kalvinovitch fez tudo direitinho, e pede para você dar prosseguimento aos seus trabalhos com o resultado do novo governo! ele escreveu pouco sobre os CRISTOS brasileiros.
ONIVLAKOVITCH – Eu já li os manuscritos dele. São ótimos...(pausa) eu sou suspeito... (Risos) O seu quociente de inteligência (QI) era muito elevado e...
PADRE (Corta) – Ele escreveu até o mês passado.
ONIVLAKOVITCH – O meu dever será cumprido.
BERENICE – Sim, você está pensando bem. Dê continuidade, mesmo. O nosso povo tem que assistir a esta peça. É de lei.
ONIVLAKOVITCH – Eu estou esperando as eleições para presidente da República e vamos ver quem será eleito, se vai ou não fazer um bom governo.
PADRE – Deus ouvirá as nossas súplicas. Aguardaremos.
BERENICE – Irei, agora mesmo, buscar o teatro de Kalvinovitch e dar uma pressa no romance. Época de campanha política é parada, é fogo esta gente...
ONIVLAKOVITCH (Corta) – É isto aí. Depois, você me entregue.
BERENICE – Tchau, gente (Sai)
Os dois trabalhos selecionados encontrados na mochila de Kalvinovitch apenas são lidos pelos personagens (Onivlakovitch e Berenice). “Os sonhos” são encenados a critério da direção.
(Voz alta) - NEGRO BRASILEIRO
(Voz) – Fonte de alguns dados em: O GENOCÍDIO DO NEGRO BRASILEIRO, de Abdias do Nascimento.
Entra primeiramente Onivlakovitch...
(...)
Fundo Musical: (Música concreta).
FECHA A CORTINA
LENTAMENTE
FIM DO SEGUNDO ATO
* Escritor, poeta e teatrólogo
* Por José Calvino de Andrade Lima
ATO II
CENA I
CENÁRIO – O mesmo do primeiro ato.
ANOS 80:
Ao abrir-se a cortina, a ação se passa na frente da igreja. Cristo Mulato, caminhando lento, como dirigindo-separa sentar-se num dos degraus da calçada. Traz uma mochila nas costas. Um rapaz se aproxima de Cristo e entrega-lhe uma carta. Cristo abre-a e fica muito contente, e se dirige ao orelhão. Tira o telefone do gancho e disca, começando a falar com voz inaudível. No momento em que desliga o telefone, cambaleia. de súbito, aparece o padre e o segura, sentando-o no meio fio da calçada da igreja.
CRISTO (Voz baixa) – Foi a sopa...
PADRE (Corta, irônico) – Não me digas que a tomou com sanduíche?!
CRISTO (Voz tremula) – Exatamente...
Silêncio
PADRE (Benévolo, rindo de soslaio) – Engraçado, por que não foi almoçar lá em casa?
CRISTO – Não gosto de dar trabalho...(Voz baixa) você não sabe...
PADRE (Corta) – Ora, ora, nada de trabalho. O que, que é isso? (Muito sério) Passou mal por causa do telefonema ou por causa da comida, hem?
CRISTO (Deprimido) – Desculpa?
PADRE (Benigno) – Está desculpado, meu pai. (Advertindo) Cuidado com aqueles palavrões com desrespeito ao governo...
CRISTO (Corta, com voz rouca) – Qual é o respeito que eles têm a nós? (Gritando com horror) Estou morrendo.
Expressão idêntica ao grande escritor russo Anton Tchekhov, só que Kalvinovitch disse em português e Tchekhov disse em alemão: “Ich Sterbe”...
PADRE – ...
CRISTO (Pausa. Com voz abafada ao padre, sorrindo) – Agora, entregue esta mochila à doutora Berenice, lá na... (desmaia)
PADRE (Alarmado) – O que é que o senhor tem?, diga.
Silêncio
Neste momento, o padre olha em derredor, estão os meninos e meninas pobres da cidade.
MENINOS DE RUA (Num só coro) – MORREU.
O padre se benze. Em seguida, telefona do orelhão para a Biblioteca do Fórum. Ouve-se Réquiem de Denisov e Cantos e danças da morte de Petróvitch Mússorgski.
PADRE (Voz abafada ao telefone) – Por obséquio, o endereço da doutora Berenice.
Vozearia
Silêncio
Jogo de cena muda. O padre desliga o telefone, fica um tempo imóvel, fazendo menção como quem quer dirigir-se para a porta de entrada da igreja. Depois, resolve sair às pressas, com a mochila em direção à rua.
Obs: As músicas Réquiem e Cantos e danças da morte, ficam a critério da direção.
FECHA O PANO
CENA II
CENÁRIO – O mesmo da primeira cena.
Época – Um dia depois.
Ao abrir-se o pano é manhã. O sol ilumina toda a igreja, ouve-se as badaladas dos sinos e “O Sino dos Mortos” de Ropartz. Vê-se um caixão de defunto saindo da igreja, sendo conduzido por seis pessoas, e alguns acompanhando o féretro. Cristo Mulato está morto! Ouve-se uma música fúnebre e cânticos religiosos, pouco a pouco saindo de cena o cortejo fúnebre. Algumas pessoas ficam nos degraus e outras no adro e nas calçadas. Formam grupos na rua a conversarem.
Obs: Fica a critério da direção as músicas fúnebres e os cânticos religiosos.
Vozearia
ONIVLAKOVITCH – Cristo Mulato escreveu o seu livro com o pseudônimo de Kalvinovitch Amilov!
POVO:
HOMEM 1 – Ele era um homem bom.
MULHER 1 – Sofreu muito por nós.
MULHER 2 – Ele amava o nosso Brasil.
ALTO FALANTE (Voz de homem) – “Então, se alguém vos disser: Eis aqui o cristo!, ou: Ei-lo ali! Não acrediteis; pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos”. (MC – 13:21 e 22)
HOMEM 2 – Vocês ouviram? Ele era um falso profeta!
MULHER 1 – Ele nunca disse ser o Cristo Jesus, ele gostava mais que o chamassem de Kalvinovitch.
HOMEM 1 – E ele nunca enganou ninguém, e morreu defendendo esta pátria governada por ladrões!
MENINOS (Num só coro) – “Cristo morreu”!
MULHER 2 – É o destino de todos nós.
MULHER 1 – País de sofrimento (Pausa) ingrato!
HOMEM 1 – País dos corruptos, como são grandes os escândalos...
PADRE –...
BERENICE – ...
ONIVLAKOVITCH – Continuaremos a luta... (Pausa) Aqueles dois majores da polícia provocaram tudo isto! (Revoltadíssimo) Digo os nomes deles, sem medo de errar...
BERENICE (Corta, revoltada) – Nem diga, que me causa nojo os nomes desses imbecis. Não merecem sair no livro de grande porte. Saindo, é promoção prá eles. Está no prelo o segundo livro de Kalvinovitch. Sairá lá para outubro ou novembro. Não sai agora por causa destas propagandas políticas. As editoras gráficas estão cheias de serviço.
ONIVLAKOVITCH - E o teatro, vamos terminar?
BERENICE – Vamos, sim. Kalvinovitch fez tudo direitinho, e pede para você dar prosseguimento aos seus trabalhos com o resultado do novo governo! ele escreveu pouco sobre os CRISTOS brasileiros.
ONIVLAKOVITCH – Eu já li os manuscritos dele. São ótimos...(pausa) eu sou suspeito... (Risos) O seu quociente de inteligência (QI) era muito elevado e...
PADRE (Corta) – Ele escreveu até o mês passado.
ONIVLAKOVITCH – O meu dever será cumprido.
BERENICE – Sim, você está pensando bem. Dê continuidade, mesmo. O nosso povo tem que assistir a esta peça. É de lei.
ONIVLAKOVITCH – Eu estou esperando as eleições para presidente da República e vamos ver quem será eleito, se vai ou não fazer um bom governo.
PADRE – Deus ouvirá as nossas súplicas. Aguardaremos.
BERENICE – Irei, agora mesmo, buscar o teatro de Kalvinovitch e dar uma pressa no romance. Época de campanha política é parada, é fogo esta gente...
ONIVLAKOVITCH (Corta) – É isto aí. Depois, você me entregue.
BERENICE – Tchau, gente (Sai)
Os dois trabalhos selecionados encontrados na mochila de Kalvinovitch apenas são lidos pelos personagens (Onivlakovitch e Berenice). “Os sonhos” são encenados a critério da direção.
(Voz alta) - NEGRO BRASILEIRO
(Voz) – Fonte de alguns dados em: O GENOCÍDIO DO NEGRO BRASILEIRO, de Abdias do Nascimento.
Entra primeiramente Onivlakovitch...
(...)
Fundo Musical: (Música concreta).
FECHA A CORTINA
LENTAMENTE
FIM DO SEGUNDO ATO
* Escritor, poeta e teatrólogo
Já está no prelo para o lançamento na VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.
ResponderExcluirErrata: relançamento na...
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