De orangotangos e engenheiros
* Pot Luis Ramirez
Tradutora: Urda Alice Klueger
Já não sei há quanto tempo estou aqui. Passo as horas contando os ladrilhos do piso; trato de pensar em outra coisa e não ver o que acontece ao meu redor. Por sorte, minha família não sabe que estou aqui. Que acreditem que ando pela rua, caminhando tranqüilo, olhando vitrines ou fumando em uma esquina.
Os ladrilhos do meu cubículo são dezesseis e são vermelhos.
- “Para dissimular o sangue” – me disse um. E agora, o que penso? Que tipo de engenheiro desenha um edifício com um sótão de ladrilhos vermelhos para dissimular o sangue? Será como aquele que desenho o Empire State?
Na minha frente está esta desordem. É um calabouço grande, onde jogam as pessoas depois de torturá-las no andar de cima. Aqui não existem relógios nem janelas, não se sabe se é de dia ou de noite. Uma lampadazinha acesa as vinte e quatro horas. Uma vez falei com um rapaz. Não nos deixam falar: o silêncio é outra forma de tortura. Mas senti pena dele, não deixava de me olhar. A compaixão também está proibida.
Nesse dia, no entanto, me animei e lhe perguntei em voz baixa:
- Por que te trouxeram?
Pensei que ele ia dizer que não sabia de nada, que era inocente. Porém, o que respondeu me deixou pensando:
- Por ver um filme – disse, olhando-me nos olhos – de um orangotango que não fazia mal a ninguém, que era livre – até que um dia veio gente de outro lugar, com poder, com armas, gente que tinha de tudo mas que ambicionava mais, e o seqüestraram. Aqueles que tinham de tudo tiraram dele a única coisa que tinha, e o escravizaram. Exploraram-no para ganhar dinheiro e o feriam para que gritasse, porque existe gente que gosta de ouvir gritos e ver sofrer.
Involuntariamente eu olhei para a escada. Porém ele seguiu falando e olhando-me fixamente.
- Até que um dia o orangotango escapou.Queria ser livre e voltar à sua casa. Então os que o prenderam disseram que era um perigo e atiraram nele com pesadas armas e o mataram. Bem no centro da cidade, no Empire State, para que todos vissem que com eles não se pode. Por isso me trouxeram.
Fez-se um silêncio incômodo e nós dois nos afastamos da grade. Voltei ao meu lugar, a contar os ladrilhos, a pensar em engenheiros e a esperar que termine meu turno de guarda.
* Pot Luis Ramirez
Tradutora: Urda Alice Klueger
Já não sei há quanto tempo estou aqui. Passo as horas contando os ladrilhos do piso; trato de pensar em outra coisa e não ver o que acontece ao meu redor. Por sorte, minha família não sabe que estou aqui. Que acreditem que ando pela rua, caminhando tranqüilo, olhando vitrines ou fumando em uma esquina.
Os ladrilhos do meu cubículo são dezesseis e são vermelhos.
- “Para dissimular o sangue” – me disse um. E agora, o que penso? Que tipo de engenheiro desenha um edifício com um sótão de ladrilhos vermelhos para dissimular o sangue? Será como aquele que desenho o Empire State?
Na minha frente está esta desordem. É um calabouço grande, onde jogam as pessoas depois de torturá-las no andar de cima. Aqui não existem relógios nem janelas, não se sabe se é de dia ou de noite. Uma lampadazinha acesa as vinte e quatro horas. Uma vez falei com um rapaz. Não nos deixam falar: o silêncio é outra forma de tortura. Mas senti pena dele, não deixava de me olhar. A compaixão também está proibida.
Nesse dia, no entanto, me animei e lhe perguntei em voz baixa:
- Por que te trouxeram?
Pensei que ele ia dizer que não sabia de nada, que era inocente. Porém, o que respondeu me deixou pensando:
- Por ver um filme – disse, olhando-me nos olhos – de um orangotango que não fazia mal a ninguém, que era livre – até que um dia veio gente de outro lugar, com poder, com armas, gente que tinha de tudo mas que ambicionava mais, e o seqüestraram. Aqueles que tinham de tudo tiraram dele a única coisa que tinha, e o escravizaram. Exploraram-no para ganhar dinheiro e o feriam para que gritasse, porque existe gente que gosta de ouvir gritos e ver sofrer.
Involuntariamente eu olhei para a escada. Porém ele seguiu falando e olhando-me fixamente.
- Até que um dia o orangotango escapou.Queria ser livre e voltar à sua casa. Então os que o prenderam disseram que era um perigo e atiraram nele com pesadas armas e o mataram. Bem no centro da cidade, no Empire State, para que todos vissem que com eles não se pode. Por isso me trouxeram.
Fez-se um silêncio incômodo e nós dois nos afastamos da grade. Voltei ao meu lugar, a contar os ladrilhos, a pensar em engenheiros e a esperar que termine meu turno de guarda.
• Escritor argentino
A tortura sempre será injustificável. E sempre é uma palavra que costumo cortar em meus textos, mas aqui a coloco convicta.
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