quarta-feira, 21 de setembro de 2011







Um partido pulsante

* Por Marco Albertim

Há um sussurro no plenário; não é ouvido mas deixa-se perscrutar como episódios da história, cuja repercussão é acolhida pelos sentidos. A história, inda que contada por alguém de cátedra, não ressoa tão vivaz quando dita por quem a viveu. Melhor é vivê-la, dir-se-á; e é isto que confere prazer telúrico a quem a absorve pela narração oral. Com um olho no passado e outro no futuro, o comunista Luciano Siqueira trouxe de volta um fato aparentemente insignificante de seu partido, há 33 anos. Nada mais adequado à Conferência Municipal do PCdoB, que referir-se a três ocultos militantes, únicos sobreviventes fora da cadeia, imunes ao surto revisionista; dispostos à reconstrução partidária no Recife. Num cenário adverso, posto que, então, dentre as muitas versões, só nos rascunhos do Partidão, apunha-se o carimbo de aprovação. O Partidão, inflado, como na porta de um cartório, após registrar como seus, os nomes de Cristiano Cordeiro, Gregório Bezerra e mesmo Prestes. Assoprando o MDB e cevando-se nas choparias da Conde da Boa Vista.
Fosse de um púlpito religioso, Siqueira teria se valido da multiplicação dos pães; mas sopesou o plenário com centenas de delegados, apontando-lhes o porvir. “Éramos apenas três em 1979...” Recém-saído do cárcere de Itamaracá, pôs-se a conspirar, inda que carregando, viva, a cena de Luci, também Siqueira, sendo chamuscada por cigarros acesos dos torturadores. A lembrança ruim amesquinhou-se para dar lugar ao ofício de pedreiro do Partido. Não se alvoroçou com a globalização, visto que, “a rigor, a globalização teve início com a ocupação do território pelos portugueses. Atrás de mais riquezas, eram a expressão do mercantilismo da época...”
O cenário se mostrou adverso para quem distinguira na opção revolucionária a única solução de mudança; mostrou-se favorável para quem se acomodou à poltrona do parlamento como única casamata.
A perplexidade dos moços que sussurram ouvindo Luciano Siqueira, mira os fios brancos de seus cabelos, junta-os à serenidade da voz, obtida com a superação da estridência. Trocar o grito pelo argumento é apropriar-se da convicção, instruem-se.
Há dez camaradas na mesa. José Bertotti fora fogoso militante da UNE, acende-se no microfone juntando loquacidade a um falar ligeiro, de quem espreita a história como numa esquina de prazeres. Antonieta Trindade não é menos veloz, quer interromper a fala de quem excede o tempo no microfone da tribuna. Teme melindrar a inquietação própria dos moços. “Peço a quem usar o microfone que fique atento à mesa.” Com o dedo médio aponta-lhes o tempo. Tem na palma da mão a experiência de assembléias... E sobre a cabeça, o desenho da foice e do martelo à frente de um fundo severamente rubro.
Assim Alanir Cardoso empertiga-se à frente do microfone. Diagnostica o que todos já sabem, os sinais da ruína do imperialismo. Mas dito por um militante que junta às palavras a coragem com que soubera olhar nos olhos do inimigo, a paga é com outros olhos, os olhos da gratidão.
Pulsa... PCcoB.

*Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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