domingo, 25 de setembro de 2011







O meu saco e o futebol carioca hoje

* Por André Falavigna


Desde o início dos anos 90 quase todo mundo fala sobre o futebol carioca em termos de decadência, falência, derrocada, vexame, palhaçada e, por último mas não somente, vergonha. Não faltam argumentos, é verdade. Vejam só: antigamente, o Maracanã vivia lotado, os clubes cariocas disputavam títulos nacionais a três por quatro e a seleção brasileira vivia repleta de jogadores desses mesmos times. Hoje, os estádios só recebem lotação máxima em situações bastante especiais, os clubes cariocas não mais disputam títulos com tanta regularidade e, na seleção brasileira, ao menos em Copas, não há jogadores atuantes no Rio. Isso tudo se atribui à péssima administração empregada nas grandes equipes de lá. Eu tenho as minhas dúvidas. Não ofende nada perguntar.

Primeiro: o público para o futebol, no Brasil, caiu bastante e de maneira homogênea por todo o país. São inúmeros os fatores que levaram a essa condição, e os dois mais citados até mesmo pelo próprio público (violência nos estádios e competição de outros esportes) não são, nem de longe, os mais importantes. Há, em outros países, violência para dar e vender em torno do futebol e, na maioria dos casos, uma oferta imensamente maior de outros esportes. Não há dúvida de que esses dois componentes fizeram sua parte na redução de público nos estádio ingleses nos anos oitenta, por exemplo, mas essa redução jamais chegou a ser comparável àquilo que se vê hoje no Brasil. Na Inglaterra, o ardor pelo futebol permaneceu mesmo quando suas agremiações estavam excluídas das competições européias. O futebol inglês não passou nem perto da falência, e esteve em situação bastante mais delicada quanto à violência e à concentração de atenção. Há ainda o exemplo da Argentina. Lá há violência. Lá há o basquete campeão olímpico e o futebol sem vencer uma Copa há vinte anos. Ainda assim, ao menor sinal, os estádios se abarrotam de gente entusiasmadíssima. Não fossem os exemplos de fora, há os de dentro: em São Paulo, o público também está uma merda faz tempo, e não faz jus ao futebol que conquistou, nos últimos 15 anos, 09 campeonatos nacionais, 03 Copas do Brasil, 01 Copa Mercosul, 01 Supercopa da Libertadores, 02 Copas Comenbol, 04 Libertadores de América, 02 Taças Toyota e 02 Mundiais de Clubes da FIFA. E aqui o pessoal também só aparece em jogo em torno do qual se cria uma aura de “especial”, ou em jogo que é especial mesmo porque é decisão. São duas conclusões que eu tiro: a primeira é que a queda de bilheteria do Rio, não sendo exclusividade do Rio e sendo mesmo uma regra nacional, não deve ter sido provocada por algo que seja exclusividade carioca, e portanto não pode depor mais contra seu futebol do que depõe contra o dos outros, dos quais não se fala tão mal. A outra é que a ausência de público, ademais, não deve ser tão importante assim no que concerne ao bom funcionamento dos clubes, porque São Paulo encheu a burra de títulos com arquibancadas indecentemente vazias na maior parte do tempo .
1 Alguém poderá alegar que o público vai ao estádio conforme seja interessante o espetáculo; poderá citar o exemplo do São Paulo Futebol Clube, cuja torcida ignora os campeonatos nacionais para, na Libertadores oferecer médias típicas dos anos 60 (médias curiosamente dos outros times, não dele, São Paulo). Eu responderia que isso só reforça o caráter cultural e não estrutural do problema, já que todos os jogos do campeonato brasileiro valem a mesma coisa e o São Paulo tem disputado os títulos deste campeonato desde que ele passou à fórmula de pontos corridos. O fato é que nossos torcedores estão sendo idiotizados na mesma velocidade em que o país, como um todo, tem se tornado o lar dos estúpidos e a terra das bestas quadradas.

O que quero dizer é que essa do público está mal explicada e, estando mal explicada, ela própria não pode servir para explicar nada. Mas os outros argumentos também não funcionam muito bem. Vamos lá. O dos títulos. Esse é fácil de desmoralizar. Tirante São Paulo, o Rio ainda é o estado que mais vence no Brasil. Isso com os clubes ameaçados constantemente de extinção, segundo se diz. Foram, no mesmo período, 04 campeonatos brasileiros, 01 Copa do Brasil, 01 Comenbol, 02 Copas Mercosul, 01 Libertadores de América. O Vasco tem um desempenho bastante parecido com o do Palmeiras (não venceu nenhuma Copa do Brasil, mas também não foi rebaixado). E, no entanto, não vejo ninguém por aí profetizando o fim do Palmeiras, apesar de saber que boa parte da imprensa esportiva está louquinha para poder dizer isso. Ocorre que os títulos são realmente uma boa medida para a decadência ou ascensão do futebol deste ou daquele lugar. Só que a aplicação desse princípio não pode agir em detrimento do Rio, sob pena de dizermos que o futebol mineiro é decadente porque o Cruzeiro (o Atlético ganhou apenas uma Comenbol no período) “só” ganhou 01 Brasileiro, 04 Copas do Brasil, 02 Supercopas da Libertadores e 01 Libertadores de América. Sim, ele fez isso sozinho, mas esse é mais um argumento a favor do futebol carioca. Lá, são quatro grandes equipes. Quando caiu o Fluminense, caíram 25% das grandes equipes de lá. Quando caiu o Atlético...

Ah, mas o futebol mineiro não ganhava tanto assim antes e agora ganha, ao passo que o do Rio ganhava tudo e hoje ganha menos. Conversa. O do Rio, que sempre se alternou com o de São Paulo no topo, agora está por baixo. Amanhã, certamente estará por cima. Se surgir outro para competir, como parece já ter ocorrido, tanto melhor. Nunca ninguém “ganhou tudo”. E ter apenas um ou dois times grandes vai ser sempre uma desvantagem intransponível no cômputo final. Com o país crescendo em níveis patéticos, como ocorre com o Brasil há mais de vinte anos, o futebol de São Paulo guardará sempre um trunfo na manga: o de ser mais rico. Com o país crescendo sem uniformidade, mas crescendo, como fazia nos anos 50, 60 e 70, a disponibilidade material deixará de ser tão decisiva assim: na pobreza, a diferença entre as riquezas pesa infinitamente mais do que na prosperidade. É assim na vida das pessoas, é assim na vida das nações, e nossos times de futebol não são mais do que nossas pequenas pátrias.

Por fim: o argumento de jogadores nas seleções brasileiras. Patético. Os times brasileiros enviam, quando muito, goleiros e volantes. Reservas. Os últimos titulares foram Marcos e Kléberson, e em 2002. Ainda que eu veja certo exagero nessa concentração de jogadores de fora, ela é hoje mais justificada do que nunca (sem que isso pese a favor do exagero, que continua sendo fruto de uma caipirice boba). Para piorar: em 94, dois titulares eram de uma equipe brasileira, e de São Paulo. Zinho e Mazinho eram do Palmeiras. Revelados, respectivamente, por... Flamengo e Vasco. E ambos fizeram carreiras bonitas nos times de saída e de chegada, não se podendo alegar que suas vindas para São Pulo tenham sido prematuras ou provocadas pela “decadência do futebol carioca”. A ausência de jogadores de nossos clubes em nossa seleção não depõe contra nosso futebol. Depõe contra nossos presidentes, ministros da fazenda, congressistas e contra nossos jornalistas que incentivam, há três décadas, a loucura estatizante e a demência intervencionista. E mais: ainda que depusesse, não o poderia mais contra o Rio do que o faz contra São Paulo.

Pois bem, ainda há a questão da administração dos times cariocas, sobretudo face à administração dos clubes dos estados em que o futebol não é decadente, vergonhoso e repleto de filhas da puta; dos clubes dos estados onde há gênios administrativos os mais sagazes e onde impera a transparência e a ética gostosa que só a esquerda sabe fazer e ensinar e cujos elevados sentimentos que a sustentam um direitista de merda não poderá jamais compreender. Esse assunto é o melhor de todos e, por isso, merecerá uma coluna todinha para ele, na semana que vem. Por enquanto, eu acredito que já tenha deixado claro uma coisa ou, melhor ainda, um desejo meu:

Será que o pessoal da crônica esportiva pode nos deixar ver a final da Copa do Brasil sem nos torrar o saco? Hein? Ofende perguntar? Pode?

(*) André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

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