Comentando a Saga de Antônio Dó
* Por Mara Narciso
* Por Mara Narciso
Foi preciso que Ivana Ferrante alertasse a Unimontes de que o livro de Petrônio Braz Serrano de Pilão Arcado: a Saga de Antônio Dó tinha qualidade, para que ele acontecesse. Saiu a segunda edição (a primeira foi em 2006) e a obra cairá no vestibular. Então, fomos seus felizes leitores para participar do Clube de Leitura Felicidade Patrocínio, na sua 5ª edição. Tivemos a oportunidade de dissecá-lo através das palestras da professora Dona Yvonne Silveira, do professor Márcio Adriano Morais e do próprio autor.
Petrônio Braz, de 83 anos, é jurista e escritor de vasta biografia. Nascido em São Francisco, norte de Minas, ocupou diversos cargos por Minas afora, foi vereador e prefeito da sua cidade, é Imortal da Academia Montesclarense de Letras, publicou 12 livros na área do direito e dois romances (o outro é “Jandaia em tempo de seca”), entre muitas outras coisas.
Na trama temos um escritor erudito que atuou feito repórter e fez um trabalho de garimpo histórico por 23 anos, para dar vida a um cangaceiro de primeira, Antônio Dó. A ficção acontece nos diálogos e na explanação dos sentimentos do sertanejo. Então, por que não aconteceu nada (apenas uma medalha, segundo o autor), com o grande romance? É que aqui no sertão temos a mania de nos sentirmos inferiores.
Antes de o protagonista chegar, o autor explica o ambiente aonde ele aportará. Nascido na Bahia, em Pilão Arcado, e morador da Serra das Araras, - daí o título -, Antônio Dó (na verdade, Antônio Antunes de França), vai de canoa, rio acima, com os pais e irmãos, aos 18 anos para Minas, e lá adquirem terras. Após a morte dos pais, Benedito e Sebastiana, continua criando gado e praticando agricultura para uso próprio. A viúva e vizinha Arcângela vai morar com ele, e outras duas mulheres, Josefina e Francilha também passam pela sua vida, mas não tem filhos. A personalidade do protagonista é exposta de forma surpreendente por Petrônio Braz, e as suas falas são tão reais, que deveriam virar filme.
O autor cose em torno do personagem fatos mundiais, nacionais e locais, contextualizando cada fase da sua vida, para que haja compreensão de como os acontecimentos políticos contribuem na maneira de pensar e agir das autoridades, nas diligências da polícia e na disputa do poder. Tudo acontece à beira do Rio São Francisco, mais precisamente em Pedras de Angicos, depois São Francisco, cidade de gente de sangue quente e muita valentia, onde são contabilizados diversos tiroteios e mortes.
A natureza, personalizada no Rio e no cerrado, é personagem coadjuvante, e na ambientação cheia de lirismo, Petrônio Braz, utilizando-se do vento, sol e lua, prepara o cenário para a ação. O narrador sabe de tudo, o que sente, e o que pensa cada personagem, que são inúmeros, com seus nomes e sobrenomes, especialmente os políticos. Conta a Abolição dos Escravos, Proclamação da República, eleições presidenciais, passagem do Cometa Halley, afundamento do Titanic, Primeira Guerra Mundial, Gripe Espanhola, chegada do futebol ao Brasil, e fatos históricos de 1877 até 1929.
Um vizinho fechou um olho d’água com uma cerca e Antônio Dó fez o mesmo com o outro. Forças políticas contrárias, com a ajuda da polícia, desmantelaram a cerca dele e deixaram a outra. Como destruiu a cerca alheia e reconstruiu a sua, Antônio Dó foi preso e espancado em praça pública, o que o revoltou, tornando-se um fora-da-lei, não sem antes ter seu gado roubado e o irmão assassinado. Formou, junto com jagunços, gente de muita coragem, um bando que despertava admiração e terror na região. Antônio Dó, homem do corpo fechado, tinha suas leis e valores que só ele sabia. Virou um justiceiro, e decidia na bala as pendengas entre inimigos. O autor entra na cabeça dele, e analisa, colocando sentimentos nas suas decisões, os fatos históricos das suas andanças – uma longa caminhada por três estados. Consta que respeitava donzelas, e que fazia a justiça dos fracos contra os poderosos. Acabou duplamente traído.
A obra de 506 páginas mostra vários tipos de linguagem. Há o grupo de intelectuais, com sua linguagem empolada, os políticos com sua linguagem da época e os cangaceiros. A autenticidade da fala dos jagunços é o ponto alto. Os dizeres do sertanejo, com suas palavras antigas, são bastante convincentes. Retiram-se os plurais e colocam-se palavras do começo do século passado, assim os diálogos ficcionais dão uma aula de boa literatura.
Destaco a cena de quando doze soldados, comandados pelo anspeçada Domingos Martins, entram numa fazenda onde havia mais de 40 jagunços no quintal. Eles procuram por Antônio Dó. Entram e saem do local, fingindo não o reconhecerem, devido a pouca força ofensiva que ostentam, e, frios, não demonstram nada. Um deles precisa voltar para buscar água. A tensão conseguida pelo autor é eletrizante, numa espetacular descrição passo a passo, no avançar dos soldados por entre os mal-encarados jagunços, alcançando um suspense de alta voltagem, que termina num suspiro de alívio. Coisa de mestre da linguagem.
Absolvido pelo autor, o próprio nos diz se Antônio Dó foi vilão ou mocinho: “Nem uma nem outra coisa. Vilão se tivesse praticado atos indignos. Não sei! Mocinho se fosse um herói. Creio que não! Fico com a observação de Urbino Viana, que disse que Antônio Dó não era herói e nem bandido, e ao mesmo tempo nos parece ambas as coisas’’.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-
Petrônio Braz, de 83 anos, é jurista e escritor de vasta biografia. Nascido em São Francisco, norte de Minas, ocupou diversos cargos por Minas afora, foi vereador e prefeito da sua cidade, é Imortal da Academia Montesclarense de Letras, publicou 12 livros na área do direito e dois romances (o outro é “Jandaia em tempo de seca”), entre muitas outras coisas.
Na trama temos um escritor erudito que atuou feito repórter e fez um trabalho de garimpo histórico por 23 anos, para dar vida a um cangaceiro de primeira, Antônio Dó. A ficção acontece nos diálogos e na explanação dos sentimentos do sertanejo. Então, por que não aconteceu nada (apenas uma medalha, segundo o autor), com o grande romance? É que aqui no sertão temos a mania de nos sentirmos inferiores.
Antes de o protagonista chegar, o autor explica o ambiente aonde ele aportará. Nascido na Bahia, em Pilão Arcado, e morador da Serra das Araras, - daí o título -, Antônio Dó (na verdade, Antônio Antunes de França), vai de canoa, rio acima, com os pais e irmãos, aos 18 anos para Minas, e lá adquirem terras. Após a morte dos pais, Benedito e Sebastiana, continua criando gado e praticando agricultura para uso próprio. A viúva e vizinha Arcângela vai morar com ele, e outras duas mulheres, Josefina e Francilha também passam pela sua vida, mas não tem filhos. A personalidade do protagonista é exposta de forma surpreendente por Petrônio Braz, e as suas falas são tão reais, que deveriam virar filme.
O autor cose em torno do personagem fatos mundiais, nacionais e locais, contextualizando cada fase da sua vida, para que haja compreensão de como os acontecimentos políticos contribuem na maneira de pensar e agir das autoridades, nas diligências da polícia e na disputa do poder. Tudo acontece à beira do Rio São Francisco, mais precisamente em Pedras de Angicos, depois São Francisco, cidade de gente de sangue quente e muita valentia, onde são contabilizados diversos tiroteios e mortes.
A natureza, personalizada no Rio e no cerrado, é personagem coadjuvante, e na ambientação cheia de lirismo, Petrônio Braz, utilizando-se do vento, sol e lua, prepara o cenário para a ação. O narrador sabe de tudo, o que sente, e o que pensa cada personagem, que são inúmeros, com seus nomes e sobrenomes, especialmente os políticos. Conta a Abolição dos Escravos, Proclamação da República, eleições presidenciais, passagem do Cometa Halley, afundamento do Titanic, Primeira Guerra Mundial, Gripe Espanhola, chegada do futebol ao Brasil, e fatos históricos de 1877 até 1929.
Um vizinho fechou um olho d’água com uma cerca e Antônio Dó fez o mesmo com o outro. Forças políticas contrárias, com a ajuda da polícia, desmantelaram a cerca dele e deixaram a outra. Como destruiu a cerca alheia e reconstruiu a sua, Antônio Dó foi preso e espancado em praça pública, o que o revoltou, tornando-se um fora-da-lei, não sem antes ter seu gado roubado e o irmão assassinado. Formou, junto com jagunços, gente de muita coragem, um bando que despertava admiração e terror na região. Antônio Dó, homem do corpo fechado, tinha suas leis e valores que só ele sabia. Virou um justiceiro, e decidia na bala as pendengas entre inimigos. O autor entra na cabeça dele, e analisa, colocando sentimentos nas suas decisões, os fatos históricos das suas andanças – uma longa caminhada por três estados. Consta que respeitava donzelas, e que fazia a justiça dos fracos contra os poderosos. Acabou duplamente traído.
A obra de 506 páginas mostra vários tipos de linguagem. Há o grupo de intelectuais, com sua linguagem empolada, os políticos com sua linguagem da época e os cangaceiros. A autenticidade da fala dos jagunços é o ponto alto. Os dizeres do sertanejo, com suas palavras antigas, são bastante convincentes. Retiram-se os plurais e colocam-se palavras do começo do século passado, assim os diálogos ficcionais dão uma aula de boa literatura.
Destaco a cena de quando doze soldados, comandados pelo anspeçada Domingos Martins, entram numa fazenda onde havia mais de 40 jagunços no quintal. Eles procuram por Antônio Dó. Entram e saem do local, fingindo não o reconhecerem, devido a pouca força ofensiva que ostentam, e, frios, não demonstram nada. Um deles precisa voltar para buscar água. A tensão conseguida pelo autor é eletrizante, numa espetacular descrição passo a passo, no avançar dos soldados por entre os mal-encarados jagunços, alcançando um suspense de alta voltagem, que termina num suspiro de alívio. Coisa de mestre da linguagem.
Absolvido pelo autor, o próprio nos diz se Antônio Dó foi vilão ou mocinho: “Nem uma nem outra coisa. Vilão se tivesse praticado atos indignos. Não sei! Mocinho se fosse um herói. Creio que não! Fico com a observação de Urbino Viana, que disse que Antônio Dó não era herói e nem bandido, e ao mesmo tempo nos parece ambas as coisas’’.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-
Ontem não tive tempo para postar.
ResponderExcluirÓtimo texto Mara.
Abraços
Olá, Mara.
ResponderExcluirLegal conhecer um pouco de Petrônio Braz e Antônio Dó. Parabéns pelo texto!
Obrigada, Núbia. Um texto longo desses, e precisava ser, desanima muita gente na internet. Saber que foi lido já é uma grande alegria, ainda mais com comentário. Fico agradecida.
ResponderExcluirMarcelo, Petrônio Braz é meu vizinho, mas nunca conversamos. Eu o vi pela primeira vez numa ocasião em que atropelei um motoqueiro e pude conhecer-lhe a solidariedade.Agora sei que é um grande escritor. Obrigada pela passagem e comentário!