segunda-feira, 26 de setembro de 2011







O sonho do centro espiritual

* Por Talis Andrade


1

No pequeno mundo
onde nasci
sou uma árvore seca e oca
um hinin a palmilhar
previstos caminhos
onde reencontro
as mesmas pessoas
e escuto repercutidas
cantorias

Todos os dias
revejo a paisagem
da cidadezinha
onde cresci
o mesmo casario
o mesmo chão batido
das ruas estreitas

Todos os dias
os mesmos caminhos
me levam
à residência
de uma ou outra
namoradinha

Todos os dias
os mesmos lugares sombrios
quadrados que se fecham
como escuras câmaras

2

Falta-me a ousadia de arrancar
as portas que me trancam
Da porta da minha moradia
fazer uma prancha
e me deitar ao mar
como fez Reykria
no cruel desespero
de sentir-se estrangeiro
na terra-mãe

As correntes marinhas me levariam
à aspiral do abismo insondável
o olho da tormenta

3

Em uma paradisíaca praia
as ondas me atirariam
Lá construiria uma casa
em seu centro um jardim
No jardim uma fonte
uma fonte de água benta
uma fonte de água cantante
a milagrosa fonte
do altar de Gand
que se divide
em sete rios
os sete dons
do Espírito Santo

Uma moradia que tivesse
janelas de onde
se avistasse o mar
Um mar azul
com suas águas mansas
me apaziguando o corpo
torturado pelas lembranças

4

Na perdida praia
de luz e poesia
construiria uma casa
No meio da casa
um jardim
O jardim onde contemplaria o silêncio
esperando os pássaros
virem beber do mel das flores
da água da fonte

Na solidão do jardim
nada mais silencioso
que um homem
que deixou para trás
as paixões
nada mais silencioso
que um peixe
na sombra da tarde

No afã do silêncio
pediria ao sono
só o simples eu do sono

O sono a paz a paz
que Walace encontrou
na irmã poesia

No afã do silêncio
fechar os olhos
fechar os olhos
devagarzinho

Longe longe
o acalanto
da minha mãe
Dorme dorme
meu filhinho



* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

Um comentário:

  1. Grande Tális, fiquei sem entender o hinin, mas fui gratificado por todo o poema.
    "No caminho da volta ninguém se perde", assim são os poetas na sua volta à infância.
    Abraço.

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