sexta-feira, 16 de setembro de 2011







Palavra de honra

* Por Ana Flores


Uma senhora entrou no ônibus antes de mim e avisou à trocadora que pagaria a passagem de R$ 1,80 com moedas de 5 centavos. E, de dentro de um daqueles cilindrinhos de plástico de guardar filme, despejou na mão da moça um punhado de moedas.
A trocadora, visivelmente contrariada, comentou que era difícil contar tanta moeda, no que a senhora respondeu muito tranqüilamente que não precisava contar, pois ela mesma já havia feito isso antes de sair de casa e a conta estava certa. E passou pela roleta em direção ao assento.
Nesse simples episódio de um dia normal de trabalho, o que me chamou a atenção foi a segurança da senhora em afirmar que se ela havia contado as moedas, não havia motivo de dúvida. Sua palavra bastava. Se afirmava que estava tudo certo, não imaginava que ninguém duvidasse.
Se isso acontecesse com o resto das nossas instituições, 90% dos carimbos, assinaturas, cópias autenticadas e montanhas de documentos reconhecidos em cartórios certamente sairiam do circuito para facilitar a vida do cidadão.
O atendente de um guichê precisa, entre a papelada exigida, da carteira de identidade da pessoa que está atendendo? Que peça para ver a carteira, anote o número, confira a pessoa com o retrato e sua palavra de funcionário público de que viu a carteira original deveria ser suficiente para os processos andarem. Em qualquer área e em qualquer país civilizado. Mas esse sonho parece estar longe de se concretizar.
Deste lado do guichê, a situação nem sempre é diferente. Ao mesmo tempo em que queremos rapidez e bom atendimento, entramos nos esquemas de propinas para guardas de trânsito e outros funcionários, apelamos para a carteirada para fugir de multas diversas, sonegamos informações à Receita Federal e o ciclo se fecha. Se complicou de lá, forja-se de cá para resolver rápido o que se procura.
Se demorou do lado de lá, apressa-se do lado de cá com uma ajudazinha para o leite das crianças e dos marmanjos. E assim gira o carrossel. A administração oficial não confia no cidadão, porque este é mestre em criar artimanhas delituosas contra ela, como receber aposentadoria ou pensão em nome de pessoas já falecidas, entre outras falcatruas.
O cidadão não confia nos governantes, diariamente apanhados em delitos de deixar Al Capone parecido com criancinha inocente, e se acha no direito de fazer o mesmo. Cada qual com o pé atrás, todos desconfiando de todos e lançando mão de recursos que imaginam serem os melhores para resolver situações, mas que apenas engessam e emporcalham todo o sistema.
Talvez faltem no nosso dia-a-dia mais pessoas de boa-fé, como a senhora das moedas do ônibus, que honram sua palavra e esperam o mesmo do vizinho. E de mais gente que acredite que essas pessoas existem.

• Escritora

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