quarta-feira, 14 de setembro de 2011







Novas palavras para velhos sentidos
(ou novos sentidos para velhas palavras)

* Por Mara Narciso


Houve um tempo em que se alguém oferecia uma ajuda, favor ou presente para o outro, e este não queria receber, respondia:
- Não carece não, moço.
Tal resposta significava humildade, resignação, conformismo. Pode-se encontrar tal palavreado em livros antigos, de cem anos atrás ou em retratação literária recente, porém de tempos remotos, não na linguagem dos tempos atuais. O termo caducou, seu prazo de validade venceu.
Há palavras faladas, mas, mais frequentemente escritas, que indicam a geração de quem as falou ou as escreveu. Fora os regionalismos, que parecem excentricidades para os novatos, palavras arcaicas geram desconforto ou curiosidade em quem as ouve. Ou ainda indiferença. Não entende, passa por cima e as ignora, sem nem mesmo se dar ao trabalho de relê-las.
Têm chamado atenção as ditas carências do homem pós-contemporâneo, seja lá o que isso for. À medida que a tecnologia avança, as pessoas encontram-se sós e mais carentes. Então volta a palavra antiga, pois quem é carente, carece de alguma coisa, e agora, mais do que em bens materiais, pensa-se na área afetiva, seja carinho ou atenção.
O Dicionário Aurélio informa que o carente “é aquele que não tem, que precisa; necessitado”, sendo sinônimo de carecente. Palavrinha última em desuso, diferente do seu par, pois o Word tratou logo de sublinhá-la em vermelho.
Quem já freqüentou “chat” na fase anterior ao MSN sabe que era preciso um nick name para poder teclar. A pessoa entrava na sala e para fazer isso inventava um nome. Choviam pessoas com apelidos tais como Casado Carente ou Mulher Carente. Esse tipo de nick tinha um apelo imediato, e logo aparecia alguém para consolar quem não tinha o mínimo, que seria o afeto. Imagine aparecer em público, informando que não se tem o que todo mundo deveria ter? Confissão de incapacidade!
Perigo todos sabem o que é, embora por vezes possam ignorar os avisos. Soube há pouco que a palavra “periguete” foi dicionarizada como “moça ou mulher sem namorado, que demonstra interesse por qualquer um”. Tal significação e o próprio termo são politicamente incorretos, e desconsideram que pessoas comprometidas podem adotar o mesmo comportamento. A palavrinha citada e seu significado são tão desprezíveis que precisam ser esquecidos, e jamais sair dos fúteis diálogos ficcionais das novelas, de onde podem ter sido gerados.
As gírias passageiras não deveriam se deslocar dos locais de origem, - coisa impossível com a internet. Assim como fatos sem importância, as expressões banais como “sem noção” saem do Rio de Janeiro e são incorporadas em nível nacional pela força da “Vênus Platinada”. Só as gírias cariocas valem a pena ser repetidas? Prefiro ignorar e nunca falar tais heresias. Mas, para ser moderno, é preciso se expressar como os jovens falam. Porém, mais fora do lugar do que um boné sobre a cabeça de pessoa madura é gíria mal colocada e falada por quem não deveria. Soa falso e fica ridículo.
Eu não gosto da moda de se criar palavras novas. É ainda pior do que reinventar palavras e dar-lhes novos significados. Excrescências como “elencar”, “acordar”, “alavancar”, “repaginar” e “bombar” são horrorosas. Diante dessas aberrações, os estrangeirismos até que fazem bonito. Delas, a que eu mais gosto é “deletar”. Temos na nossa Língua Pátria, várias palavras para dizer o mesmo. Porém, quando algo de fato precisa desaparecer, ir para o espaço, sumir, não há eliminar, excluir ou qualquer outra que chegue perto da linda estrangeira abrasileirada “deletar”. Palmas para ela e o seu poder de lavar e enxaguar a alma!

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

2 comentários:

  1. Só não delete meus parabéns pelo texto. Abraços, Dra. Mara.

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  2. Marcelo, jamais deletarei nem você nem seus simpáticos comentários. Muito obrigada!

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