quinta-feira, 10 de março de 2011


Surpresas da vida


A vida nos apresenta, amiúde, surpresas de todos os tipos e intensidades, algumas boas, outras ruins e outras, ainda, indiferentes. Há, por exemplo, uma diferença enorme entre o que planejamos, em termos de profissão, amores etc. e o que, de fato, conquistamos. Muita gente que sonhava em ser médico, por exemplo, termina no jornalismo (é o meu caso). Outros, que queriam ser jogadores de futebol profissional, têm que se contentar com um empreguinho burocrático, atrás de uma escrivaninha. Outros, ainda, nem essa sorte têm. E vai por aí afora.
Direcionamos nossos passos não tanto pelo que planejamos, mas ao sabor dos acontecimentos que, ademais, em sua maioria, são aleatórios e independem da nossa iniciativa. Poucos, pouquíssimos dos nossos planos são bem-sucedidos e se concretizam exatamente da forma com que foram elaborados.
Consultando meu arquivo de recortes, topei com a seguinte notícia, publicada no jornal Correio Popular de Campinas, em 26 de janeiro de 2004, que guardei para comentar oportunamente, e que ilustra, a caráter, essa questão das surpresas da vida: “Um homem que ganhou US$ 57 mil em uma loteria do Estado norte-americano de Indiana, na quinta-feira (22 de janeiro), morreu horas depois de receber o prêmio, ao ser atropelado por uma caminhonete. O programa de televisão apresentando Carl D. Atwood, de 73 anos, como vencedor da loteria ‘Hooster Millionaire’ foi levado ao ar na noite de sábado a pedido da família, informou Jack Ross, diretor da loteria. A transmissão foi concluída com uma foto de Atwood acompanhada pelo texto: ‘em memória de Carl Atwood’. Atwood ganhou o prêmio na quinta-feira, durante um programa de duas horas gravado em Indianápolis. Horas mais tarde, ele foi atropelado por uma caminhonete quando caminhava pelas ruas de Elwood, onde morava, até a loja onde comprou o bilhete premiado”.
O leitor atento certamente percebeu a ironia que há por trás dessa história real, que supera, em muito, qualquer ficção em termos de desfecho surpreendente. Milhares de fatos semelhantes ocorrem, todos os dias, mundo afora, com final idêntico ou até mais insólito. Todos estamos sujeitos a surpresas tão dramáticas (e até extremas), que ocorram à nossa revelia, sem que tenhamos condições de sequer reagir, quanto mais nos prevenir.
O senhor Atwood, certamente, deve ter sido um sujeito equilibrado, trabalhador, bom marido e pai, que, como todos nós, tinha lá os seus sonhos. Afinal, quem nunca sonhou com uma pequena fortuna que lhe caia subitamente nas mãos, quando menos espere, originária de uma herança ou, como no presente caso, de um bilhete premiado? Da minha parte confesso que se trata de sonho até recorrente. Herdar, é verdade, não herdarei nada de ninguém, com absoluta certeza. Não tenho nenhum parente rico que goste tanto de mim a ponto de me legar, de mão beijada, tudo o que amealhou em vida.
Todavia, volta e meia, aposto na Megasena, na Timemania e em tantas outras loterias – neste nosso País em que o jogo é (oficialmente) proibido, mas onde há tanta jogatina –, na esperança de um dia vir a ser bafejado pela sorte. O senhor Atwood, com certeza, não foi diferente. Embora a notícia não revele, esta não deve ter sido a primeira vez que adquiriu bilhete dessa loteria tão famosa em seu Estado.
E quantos planos não terá esse ancião, bem-vivido, do alto dos seus 73 anos de idade, feito ao sair da casa lotérica?! Claro que não sabia, e provavelmente, sequer intuía que ali estivesse a realização de um sonho. Em que gastaria o dinheiro? Na compra ou reforma de uma casa? Na aquisição de um carro do modelo do ano? Para financiar os estudos dos netos? Para comprar alguma propriedade na Flórida, num desses tantos condomínios de luxo, voltados para aposentados, nesse Estado de muito sol e calor, objetivo de um em cada dez norte-americanos idosos? Pode ser que fosse tudo isso. Pode ser que não fosse nada disso.
E a vida trouxe, em vez de uma, logo duas grandes surpresas ao senhor Atwood. A primeira foi, sem dúvida, a da euforia de ter, finalmente, em mãos, uma pequena fortuna. A segunda... foi fatal! Convenhamos, US$ 57 mil não é tanto dinheiro assim que garanta a independência financeira de quem quer que seja. Todavia, ganha, sem precisar fazer nada em troca, não é quantia a ser desprezada. Calculo, pois, a euforia que o ancião sentiu ao saber que fora o premiado.
Diz a notícia que o velhinho foi atropelado numa rua de Elwood, onde morava, quando se dirigia para a casa lotérica. Se, em vez dessa caminhada, fosse para casa, curtir com a família a euforia de ter sido premiado, certamente ainda estaria vivo e em condições, portanto, de gozar da pequena fortuna que tão subitamente lhe caíra nas mãos.
Mas... o senhor Atwood era uma pessoa grata. Provavelmente, pretendia recompensar o funcionário da casa lotérica que lhe vendera o tal bilhete sorteado. Foi quando a vida lhe aprontou a maior, a derradeira, a definitiva das surpresas, representada por uma caminhonete desgovernada, que pôs fim aos seus sonhos, ilusões, venturas e desventuras. Irônico, não é mesmo? Irônico e, sobretudo, trágico!

Boa leitura.

O Editor

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4 comentários:

  1. Fui procurar os mais variados sinônimos para a palavra surpresa e de fato concluo que não sei lidar com ela.
    Seja boa ou ruim minha primeira reação é sempre a mesma
    não me sinto à vontade, depois passa.
    O que fazer depois do susto são outros quinhentos...que
    elas venham, faz parte.

    Quero aproveitar o espaço para me redimir com os meus
    companheiros do Literário.
    Estou tentando me refazer de algumas surpresas e por conta disso não venho comentando alguns textos.
    Peço a compreensão de vocês.
    Já já, passa.
    Abraços a todos

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  2. Estamos no mesmo barco, Núbia!
    Falar em surpresas, fiquei surpreso com o sucesso do Maracatu Barco Virado ligado ao Axé da baiana!
    Abração a todaos

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  3. Pedro, seu ótimo editorial chegou em um momento da minha vida muitíssimo surpreendente! Algumas situações chegam a ser inacreditáveis!
    Abraços!

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  4. Contamos com a sorte e o acaso, e em vez de ficarmos esperando sentados, vamos atrás deles. O ruim é quando um atropelamento nos alcança antes do resto.

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