sábado, 26 de março de 2011




A obra

* Por Celamar Maione


Matilde estava com 44 anos. Viúva há seis, depois que o marido morreu, nunca mais quis saber de outro homem. As amigas bem que incentivavam:
-Matilde....você ainda está muito nova.....precisa conhecer outros homens...sair mais...se divertir...vai ficar se guardando para quem ?
- Não é isso....é que eu não consigo me interessar por outro homem..e não consigo ir para a cama só por ir...tem que existir amor....ou um forte tesão...ainda não apareceu ninguém que mexesse realmente comigo.

E era verdade. Apesar de estar subindo pelas paredes, Matilde ainda não tinha encontrado um homem que realmente a fizesse sair do sério. Nem nas gafieiras que ia com as amigas. Não faltava torcida para isso:
-Olha aquele cara lá Matilde, está doido para tirar você para dançar... não tira os olhos da nossa mesa...tá olhando para você...
Matilde fazia cara de pouco caso:
-Não adianta...não gostei dele... e nem sei dançar...venho só para fazer companhia para vocês.

E não adiantava. Se ela não gostava, não havia jeito de fazer Matilde se interessar pelo sujeito.

E assim, ela ia vivendo de casa para o trabalho, do trabalho para a casa, nessa vida de viuvez monótona. De vez em quando, sentia falta do finado marido, ele movimentava a casa, vivia inventando uma novidade para a relação não cair na rotina.

Foi pensando nisso, que nas férias, resolveu que, ao invés de gastar o dinheiro numa viagem, iria pintar a casa, fazer umas arrumações, para tirar um pouco das lembranças do finado marido. Cada canto da casa lembrava o falecido. Cada canto da casa tinha a cara dele.

Contratou então um pedreiro. O homem era de confiança. Já havia feito obra na casa de uma amiga dela.

Depois de duas semanas convivendo com o pedreiro, entre massas e tintas, os dois foram tomando certa intimidade. Matilde fazia um cafezinho de tarde e oferecia ao pedreiro:
- Seu Rochinha...café fresquinho...vem tomar comigo...pára um pouco a obra e vem fazer um lanche.

Os dois ficavam conversando na mesa da cozinha durante uma hora. Matilde foi se encantando com aquela simplicidade de pedreiro. Rochinha tinha 28 anos, era casado há oito e tinha quatro filhos. Contou a vida toda para Matilde. Matilde foi aos poucos, se apegando ao trabalhador.

Cada vez que ele misturava as tintas e saía pintando a casa com aqueles braços fortes, a mulher entrava em parafuso. De noite passou a sonhar com o pedreiro. Acordava suada...Estava mesmo precisando ser acariciada por uns braços fortes. Resolveu que assim que a obra terminasse, iria atacar o pedreiro. Já não agüentava mais os sonhos eróticos que tinha com ele. E afinal, pensava: trabalhador braçal deve ter um apetite sexual daqueles. Ela desconfiava dos homens intelectuais que se dedicavam às letras e aos números. Tirava pelo marido. Apesar de bom marido, coitado, não era um bom amante. Na cama era um fracasso.

Quase no final das férias, a obra terminou. Matilde combinou que pagaria tudo no dia seguinte. Pela manhã, se preparou para receber o pedreiro. Fez uma mesa linda de café da manhã, vestiu uma camisola bem sensual...e ficou esperando Rochinha chegar para receber o pagamento.

Quando o homem chegou, Matilde foi logo atacando:
- Vem cá seu Rochinha...Seu Rochinha, não...Rochinha...posso te chamar assim ?
-Pode dona...tem problema não...
-Vem cá...senta aqui no sofá...

O pedreiro sentou afastado de Matilde. Tinha todo o respeito pela viúva. Mas ela não queria saber de respeito e chegou para perto dele. Ele se afastou...Ela foi chegando...chegando até que agarrou Rochinha:
- Vem aqui...eu já vou dar teu pagamento...mas antes me dá um beijo...eu sonhei com esse beijo esse tempo todo que você esteve fazendo obra na minha casa.... O cheiro do teu suor me deixa louca.

O homem apavorado, empurrou Matilde com força e ficou de pé:
-Quê isso dona? A senhora tá pensando que eu sou o quê? Sou um trabalhador...sou um homem casado, religioso, pai de filho...não traio minha esposa não... ela merece respeito e a senhora também dona. Sou homem disso não.
Matilde, mesmo sem graça, ainda insistiu:
-Você não vai trair sua esposa...a gente só vai fazer umas carícias...ninguém precisa saber... eu não conto para ninguém.
-Não senhora dona...sou um homem de palavra...amo minha esposa...faço isso com ela não...por favor...a senhora me paga e eu vou embora...

Não adiantou insistir. Se insinuar. Quase tirar a roupa. O pedreiro continuava na sua fidelidade canina. Venceu pelo cansaço. Matilde deu o pagamento ao pedreiro e ele foi embora sem olhar para trás. Andou tão rápido que quase caiu.

Matilde ficou na porta de casa, com os olhos cheios de lágrimas...emocionada com a sabedoria daquele homem simples...que era fiel à esposa. Coisa rara.

Matilde continuou invicta. O homem a quem resolvera se entregar depois de seis anos de viuvez, era honesto demais. Fiel demais. Um simplório.

* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos. É autora do livro de contos “Só as feias são fieis” (Editora Multifoco).

Um comentário:

  1. Erro de cálculo também acontece. Osleitores quebraram a cara, pois não duvidaram da possível agarração.
    É a velha história:
    "quem eu quero não me quer/
    quem me quer mandei embora"...
    Assim cantava a minha mãe.

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