terça-feira, 29 de março de 2011



No Campeche


• Por Elaine Tavares

Ali vinha eu, no meio da noite, cabelo ao vento, bicicleta sem freio. No Campeche é assim, a gente ainda pode andar pelos caminhos de terra, pelas trilhas abertas no meio dos matos, nas largas noites de outono. Despencava pela Gramal afora depois de uma longa reunião comunitária que organizara o Festival da Água, a acontecer amanhã, dia 23, no campo de aviação do bairro. No mesmo lugar onde antigamente descia, no seu avião, o escritor do “imorrível” Pequeno Príncipe.

Enquanto pedalava, sentia o cheiro inigualável das flores e dos matos nativos do Campeche. Um cheiro que embriaga, que entontece, que nos deixa mole, como se estivéssemos respirando o próprio hálito da Pacha Mama. Tudo parecia perfeito. A reunião fora significativa, muita gente, povo animado, muitas idéias, muita vontade de defender a água, o ambiente inteiro, as pessoas, a qualidade da nossa vida. A comunidade havia conseguido uma vitória contra as bombas que drenavam o lençol freático. A polícia ambiental viera e parara tudo. Ô alegria!!!!

Senti um pouco de medo, pois parece que quanto tudo está assim, pleno, sempre acontece algo para estraçalhar esse sentimento. Desacelerei as pedaladas ao escutar o barulho do busão. Como a rua é muito estreita, a melhor saída é parar, subir na calçada e esperar que ele passe. Passam voando. Perigo puro. Então vi a lua. Enorme. Brilhava em todo o seu esplendor a ponto de se poder ver Jorge e o dragão. Fiquei maravilhada a balbuciar: mama killa, mama killa, deusa mãe.

De volta à estrada enveredei pelos caminhos do Castanheiras até chegar a à minha rua: Coruja Dourada. Nela há um cheiro de dama-da-noite, doce, sensual. Aspirei e sorri. Então, enquanto eu ia passando com minha bicicletinha de aro 20, as corujas iam levantando vôo. Uma cena mágica. É que na minha rua as corujas simplesmente fazem morada. Como há pouco movimento, elas chegam a dormir por ali. Algumas, familiarizadas com a gente, nem se movem, apenas nos fitam, com aqueles olhos enormes. Os vaga-lumes voejam por sobre a nossa cabeça, como se fossem pequenos guias naquela hora já tardia.

Chego a casa, porto seguro, e os gatos estão sobre o muro. Esperam por mim. Vislumbram a bicicleta e pulam, correndo em direção à porta, esperando um manjar. O cachorro, Steve, pula em completa alegria. A vida fica parecendo bela demais.

Quando as coisas pesam e tudo se enreda na trama da vida, nada melhor pode nos acontecer do que uma reunião comunitária bem sucedida, um passeio de bicicleta, com lua, corujas, vaga-lumes, gatos, cachorros e cheiros de mato. Depois, um beijo molhado, uma noite serena, embalada pelos passarinhos. A vida e suas coisas pueris.... Que coisa boa!!!

Nesta quarta-feira, às 10h, no campo de aviação, Festival da Água no Campeche. Povo reunido! Nada mais posso querer...


• Jornalista de Florianópolis/SC

Um comentário:

  1. Bom demais da conta Elaine...talvez não tenha me visto
    estava atrás do muro.
    Lindo texto.
    Abraços

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