quarta-feira, 16 de março de 2011




Leve, leve, leve como pluma

• Por Mara Narciso

Abrir a janela de manhã, mirar o céu azul, o sol brilhando, ouvir o canto dos pássaros e dizer: “Bom dia sol, bom dia manhã, bom dia passarinhos!”. Esse é o estereótipo da felicidade pueril, da simplicidade de quem passa voando pela vida sem saber o que veio fazer aqui. Não se espera do dia apenas o calor da água do banho matinal, o prazer de usar roupas limpas, o sabor do alimento fresco ou a maciez dos lençóis no fim da noite, mas, porque não?
Há muito a fazer e a esperar para um dia ser grandioso, mas, sem demonstrar ingenuidade e alienação, ser sensível, doce e amável consigo mesmo, com a natureza e com os outros não é defeito. Descansar as armas e levar carinho, amabilidade, compreensão, não é ser tolo e infantil. Sabe-se que não se pode confiar. Os lobos estão à espreita em cada metro. É preciso estar alerta, mas não é de bom tom ser indiferente, desrespeitoso ou mal-educado.
Ser recebido com um bom dia não é ruim. Quando se está desacostumado com bons-tratos, e alguém que o atende o cumprimenta com um sorriso, demora-se a responder, pensando tratar-se de uma miragem. No meio de filas, da eterna pressa, com pessoas correndo para dar conta de suas importantes e inadiáveis atividades, quem vai ter tempo de sorrir? Ou abraçar um amigo querido, que está distante pelo tempo e não pelo espaço?
Demonstrar afeição às pessoas que são caras, tornou-se gesto escasso. Não há tempo para pensar nisso. A rapidez impede de se ater a banalidades. As pessoas estão armadas, e quando são golpeadas com palavras, respondem no mesmo tom, usando-se de firmeza excessiva, podendo-se fazer uso de rispidez ou grosseria explícita. A irritabilidade tomou conta do mundo, por que as pessoas deixaram. E para quê? Para envenenar o ambiente próximo a elas mesmas, para sujar a água e depois ter de tomá-la?
Acordar de bom-humor e derramá-lo sobre os outros, parece coisa de outro planeta. Pessoas estranharão, mas, por que não? Guardar um papel de bala no bolso até encontrar uma melhor destinação é desnecessário? Tão inútil quanto distribuir sorrisos, gentilezas e cortesias? Não muda nada? Esses pequenos gestos haverão de crescer e tomar novas proporções. É utópico, é ingênuo, é ser sonhador? Que seja. É preciso ter autenticidade para deixar a indiferença de lado, sorrir, mudar o momento do outro, e também o seu momento.
Pingar gentilezas a sua volta, ceder o lugar na fila, deixar alguém passar antes de você, fazer um favor, são atitudes que não mudam a violência do mundo, não o tornam exatamente melhor, mas fazem o seu instante e o daquela pessoa menos pesados.
Muitos justificam sua impaciência e irritabilidade pelas pancadas e injustiças do dia a dia. Vão se tornando amargas e desagradáveis companhias. A agressividade se faz notar com maior frequencia em casa, junto às pessoas próximas, e que em tese poderiam suportar os maus-tratos. O ambiente familiar torna-se hostil. Dar um basta neste comportamento, baixar a guarda, distribuir amabilidades, dar o braço a torcer é possível quando se quer semear bem-estar. É preciso tentar. Um olhar de simpatia, de compreensão, um agradecimento, uma palavra estimulante, um elogio, acreditar no outro são senhas de bem-viver.
É necessário estar atento para não ser passado para trás. É o que se ouve e o que se diz. Acostumados com o bateu-levou, é inaceitável o perdão? Então, falar em humildade é perda de tempo? Em alguns terrenos sim, mas em outros surgirá um ciclo virtuoso, onde a semente do respeito se alastra como um vírus benéfico.
Adotar essa ação é não ter receio de rótulos. Vestir a camiseta do bem, hastear a bandeira do amor, demarcar o território da bondade e generosidade é para corajosos, quase heróis. A sugestão não é para isso tudo não. Mas poderá ser um dia. Pode-se começar pelo varejo, à sua volta, especialmente junto às indefesas crianças e aos idosos desprezados.
Com o tempo, seu jardim florescerá e o perfume inundará seu dia. É preciso falar disso, justamente por ser óbvio.

* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

4 comentários:

  1. Excelente, Mara! " Pingar gentilezas..." se cada um pingar uma gota por dia, talvez sejamos todos inundados por uma onda de ternura. Se não for possível fazer isso o tempo todo, façamos ao menos algumas vezes por dia até automatizarmos o hábito. Seguirei sua dica! Abraço!

    ResponderExcluir
  2. É isso. Gentileza gera gentileza. De pequenas mudanças construímos transformações. Muito bom, Mara.

    ResponderExcluir
  3. Isso me faz lembrar das palavras do profeta
    Gentileza que lia ao caminho do trabalho.
    Bela reflexão.
    Abraços

    ResponderExcluir
  4. É piegas, é ingenuidade, mas que é bom encontrar pessoas delicadas no nosso caminho é. Obrigada gente.

    ResponderExcluir