domingo, 20 de março de 2011




Ibirama romântica no fundo do
mar ou a poética de uma cidade

* Por Harry Wiese


Constantemente, me encanto com os poetas e escritores que escrevem sobre o mar. Parece-me que sua criatividade gira em torno do misterioso, do estético, do belo, da alma desse volumoso e aquático elemento.
O misterioso envolve sereias, dragões, vultos, gigantes, Iemanjá. É o fantástico que enlouquece as penas e os teclados. E o belo do mar? O belo é a alma do mar. É preciso ter sensibilidade para ver a alma do mar. O belo também permite o diálogo com o mar. Todo ser humano pode dialogar com o mar, mas é preciso que saiba ouvir o murmúrio de suas ondas e entendê-las em sua plenitude. Duvida? Todo homem do mar fala a linguagem do mar. Da palavra “mar” vem: marítimo, marinho, marujo, maré, maremoto e tantas outras. Vem também coisas mais lindas como: mar de rosas, mar de leite, mar de sargaços, mar interior, mar pleno, de mar a mar, fazer-se ao mar e amar o mar.
Os poetas se encantam com IriaMAR e MiraMAR. Cassiano Ricardo prefere escrever: “O mar é belo. Muito mais belo é ver um barco no mar”. Também há IBIAMAR ou AMAR em IBI. Lindo! Tem a ver com a nossa terra e a nossa gente. E o poeta escreveu assim: “Cantar-me-ás que canção no teu regresso, cá nas montanhas de IBIAMAR”?
Com o perdão da palavra, o mar possui muitas cores: azul, verde, vermelho, preto, branco, amarelo, roxo e cinza. Você não acredita? A cor do mar depende da sensibilidade do poeta e de seus seguidores e leitores. Depende também de suas maneiras de olhá-lo e de apreciá-lo. Os poetas, ainda o comparam com o céu, com as matas, com as joias, com as mulheres e com Deus. Sim, Deus fez o mar, Deus está no mar. Deus é o mar. O mar é Deus.
O mar penetra na alma dos pescadores que procuram nele seus mistérios. Eles, os pescadores, são mistérios, longos mistérios. É só observá-los no seu jeito de lançar as redes perto da linha do horizonte: gestos harmoniosos, ritmos cadenciados e músicas quase murmuradas a competir com as vagas espumantes.
Não devo esquecer as extensas e belas praias que são os recantos das musas em trajes ousados e o mar se torna bronzeado e feminino. Belo é o mar das musas e das deusas.
E eu que vivo longe do mar não entendo sua linguagem. Seu murmúrio é murmúrio, só. Procurei aprendê-la, mas meus mestres não me ensinaram o alfabeto do mar. Nem as novas ortografias dão conta da minha malfadada analfabetice marinha. Meus mestres, em longínquas datas, me disseram que é preciso ter convívio com o mar, estar lá, estar nele, inteirar-se dele, incorporá-lo como se incorpora a delícia das manhãs, mas eu não estou lá.
Apesar de tudo, eu também tive meu mar, mar somente meu, só meu. O meu mar era branco, muito branco, branquíssimo como a neve. Como é possível?
Certo dia, observei do pico da Serra Mirador, onde estão as antenas transmissoras, o meu imenso mar. Lá embaixo, no vale, um grande nevoeiro acamara-se de forma inerte e compacto. A linha do horizonte ligou o céu azul ao meu mar branco. Nunca tinha visto fenômeno tão belo. Não era um mar de sereias. Não era um mar feminino. Era um mar de gente: homens, mulheres e crianças. Então, a brisa de suas ondas me convidou para um banho profundo. E então entrei no mar branco sem molhar-me. Que delícia!
Mas como tudo o que é bom dura pouco, o sol apareceu com seus raios e secou o meu mar. Primeiro apareceram as árvores da encosta da serra, depois os caminhos e as trilhas dos andarilhos solitários e de alguns amantes da natureza que procuraram preservar aquele paraíso da destruição. Apareceram também os campos lavrados, as plantações, as estradas e, por fim, Ibirama romântica no fundo do mar. Ela estava lá, inteira e belíssima com suas casas, suas ruas e jardins floridos e sua gente trabalhadora. Vê-la lá do alto causou sensações inéditas e harmoniosas. Lindíssimo!
Hoje, muito tempo depois, eu tenho saudade desse fenômeno visto do pico da Serra Mirador num dia extremamente lírico. Nos invernos, nas manhãs frias, o mar branco sempre aparece, mas da ponta daquela serra, nunca mais o vi. Que pena!

• Harry Wiese reside em Ibirama, SC. Entre suas obras, destaca-se A Sétima Caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de Letras.

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