sábado, 19 de março de 2011


Indomado e domesticado


A humanidade caracteriza-se por uma infinidade de tipos de pessoas, com personalidades, modos de ser e de agir, conhecimentos e comportamentos os mais heterogêneos possíveis. Todavia, dois grandes grupos (por sinal, antagônicos), se distinguem e se destacam. Denomino-os de “indomados” e de “domesticados”.
O primeiro, como a própria palavra sugere, é o dos rebeldes. É composto pelos que não se deixam manipular e nem conduzir por quem quer que seja e que escolhem os próprios caminhos, para o bem ou para o mal. São os grandes líderes, condutores de povos, visionários e, não raro, revolucionários. Estes, contudo, infelizmente, são raros.
O segundo grupo tem comportamento exatamente oposto ao primeiro. Ou seja, é integrado pelos que, por preguiça, omissão ou incapacidade física (ou mental ou intelectual), abrem mão da iniciativa e se deixam conduzir, sempre, em toda e qualquer circunstância, docilmente, como ovelhas rumo ao matadouro. É o que se pode chamar de “massa”, por poder ser moldado à feição dos que o conduzem e manipulam. Trata-se da maioria.
Ressalte-se que existem vários tipos de rebeldia, que podem ser positivos ou negativos, dependendo do que, contra quem, e da forma como as pessoas “indomadas” manifestam esse comportamento no curso das suas vidas.
Todos já nos rebelamos, algum dia (salvo, claro, exceções, já que estas existem em virtualmente todas as regras, ou em quase todas), contra ordens que consideramos equivocadas ou exageradas (dos nossos pais e/ou professores, na adolescência; ou dos nossos chefes, no trabalho, no quartel ou na sociedade, quando adultos etc.etc.etc.), contra leis e normas que entendíamos injustas ou contra situações que identificamos como nefastas e que achávamos que poderiam ser modificadas para melhor.
Há os chamados “rebeldes sem causa”, que se opõem a tudo e a todos, pelo simples fato de se opor. Estes sequer distinguem o certo do errado, o bem do mal, o indispensável do supérfluo. Sofrem, claro, as conseqüências. Não raro, descambam para a marginalidade, quando não para a criminalidade, pagando, evidentemente, um preço (quase sempre intolerável) por isso. Não sabem direcionar a imensa energia de que são dotados e, com isso, desperdiçam precioso potencial de liderança, que poderia torná-los exemplares e especiais.
Esses dois tipos, o indomado e o domesticado, existem, também, em literatura. O primeiro não se conforma com imposições que considera descabidas e intoleráveis, se opõe a regras impostas por quem não tem a menor autoridade para ditá-las, e inovam. São os desbravadores de novos caminhos, os luminares do pensamento, os arautos das idéias originais e, sobretudo, geniais. Já os segundos...
O curioso é que, num primeiro momento, são os domesticados que prevalecem na preferência dos leitores. Lançam, por exemplo, livros e mais livros que nada acrescentam ao mundo das idéias, redundantes, repetitivos e banais e, com eles, obtêm seu “brilhareco”. Assumem a postura de críticos e investem contra tudo o que se oponha aos cânones que consideram intocáveis, dogmas inatacáveis. Não criam e se limitam a pisar nas pegadas alheias. Mas um dia, caem no ostracismo e acabam esquecidos para sempre. Por causa da atuação desses medíocres é que se tornam cada vez mais raras obras que realmente valham a pena de ler e, sobretudo, de refletir sobre elas.
A esse propósito, Henry David Thoreau (um indomado por excelência, inspirador de Gandhi em sua tática de desobediência civil, que resultou na independência da Índia), escreveu, em certo trecho do ensaio “Caminhando”, do seu livro “Desobedecendo” (verdadeira bíblia dos rebeldes com causa): “Um livro verdadeiramente bom é algo tão natural, tão inesperado e inexplicavelmente belo e perfeito quanto uma flor selvagem das planícies do Ocidente ou das selvas do Oriente”. E não é?!
É de quem escreva dessa forma que a Literatura (não importa de que país ou idioma) está precisando. Calcula-se que, em média, são lançados, mundo afora, 50 milhões de novos títulos por ano. Se apenas 5% deles fossem, pelo menos, originais, a humanidade estaria salva da burrice e de tanta mesmice. Obviamente, não está.
A Literatura carece, pois, cada vez mais, de gênios, como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Tolstoi, Gorki, Hugo, Rimbaud, Baudelaire, Valery, Borges, Márquez, Octávio Paz e tantos e tantos outros luminares das letras e das idéias. Mais do que ela, a humanidade precisa desses lúcidos e corajosos indomados, para iluminar as mentes dos raros líderes autênticos que ainda tem.
Thoreau justifica essa necessidade, ao afirmar, no ensaio que citei acima: “A genialidade é uma luz que torna a escuridão visível, tal como o clarão do relâmpago que às vezes atinge e abala o próprio templo do saber – e não uma vela acesa ao pé da lareira da humanidade, cuja luz enfraquece ainda antes de clarear o dia”.
Há tanta treva a ser varrida das mentes e dos corações, nesta época crítica da nossa História, em que a espécie se vê cada vez mais ameaçada de extinção já que, num ato de extrema estupidez, o homem destrói, sem refletir, de forma irreversível, o planeta em que habita! Mas esta iluminação que se faz tão necessária, e urgente, certamente não virá dos “domesticados”, dos que por preguiça, omissão ou incapacidade, integram a imensa massa manipulável. É tarefa dos gênios da espécie, dos líderes lúcidos e idealistas, dos cada vez mais raros e indispensáveis “indomados”.
Boa leitura.

O Editor.

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