Tudo requer moderação
“A vida é como um jogo de xadrez, em que há um número infinito de complexos movimentos possíveis”. Essa constatação, não vou enganá-los, não é minha. Foi feita pelo norte-americano Shelley Smith. E quem é essa “personalidade”, possivelmente desconhecida para a maioria? É algum filósofo desses bastante badalados? É, porventura, um poeta? Não! É um jornalista. E da área esportiva, correspondente da rede de televisão a cabo ESPN dos Estados Unidos. Sua metáfora, todavia, é pertinente, inteligente e suscita profundas reflexões. Poderia, perfeitamente, ter sido produzida por um filósofo ou por um poeta.
Temos, e esse é um mal generalizado, tendência natural aos excessos. Esquecemo-nos, muitas vezes, de “temperar” a vida e não apenas ela, mas, sobretudo, nossas ações e emoções. E, claro, nos damos mal. Até virtude, se levada ao extremo (caso fosse possível essa façanha) pode ser encarada como defeito. Esse raciocínio, por estranho que lhe possa parecer, esclarecido leitor, também vale para a tristeza (óbvio) e para a alegria. É como um prato sofisticado e caro. Caso nos esqueçamos de temperá-lo, ele ficará insosso e sem graça. Se carregarmos, contudo, no tempero, se tornará intragável. Na vida ocorre, guardadas as proporções, o mesmo.
É poderosíssima a força da alegria. Creio que, mesmo que intuitivamente, há consenso em torno disso. Afinal, ela é capaz de nos imunizar contra todos os sentimentos negativos, como o desespero, a ira e o mau humor. E uma de suas melhores características é o fato dela ser “contagiosa”. Ilumina e encanta o ambiente em que se manifesta. As alegrias podem e devem ser cultivadas no dia a dia, como um delicado canteiro de flores. Para tanto, temos que adquirir o hábito de valorizar as boas coisas que nos cercam e que marcam nossa vida, como uma família bem-constituída e harmoniosa, a boa saúde que ostentemos, as aparentemente pequenas vitórias diárias, que na verdade são maiúsculas e, principalmente, o amor e as amizades.
Há, no entanto, pessoas que nos parecem sempre tristes. Nunca as vimos dar expansão a nenhuma espécie de alegria, como se houvessem sido condenadas a eterno sofrimento. O curioso é que a maioria é até privilegiada, sem grandes carências materiais, ou afetivas. Em geral, colocam seus desejos muito acima das possibilidades e se frustram. Isolam-se do mundo, encaram a vida como castigo e são candidatas potenciais a contraírem doenças, para as quais estão psicologicamente predispostas.
E qual o antídoto para essa tristeza recorrente, extrema e, principalmente, crônica? São vários, todos ao alcance de qualquer um de nós. Uma das condições, provavelmente a principal, é preencher a mente com pensamentos positivos e o tempo com atividades que não permitam pensar bobagens. Outra, é valorizar o que se é e o que se tem. É nutrir esperanças e ter fé de que a vida lhe será pródiga em satisfações, talvez já no dia seguinte, se não no próximo minuto.
Temos que aprender a nos alegrar sem que essa alegria dependa de fatores externos, como coisas e pessoas. Ela deve brotar espontânea em nosso coração pelo simples fato de estarmos vivos, de podermos usufruir, de graça, das delícias da natureza, de um dia de sol, da sombra amiga de um belo bosque, do banquete de beleza proporcionado por um jardim intensamente florido. Vinculamos nossa alegria a pessoas e coisas e quando as perdemos, raramente sabemos como voltar a nos alegrar.
Em ambos os casos, porém, devemos agir com moderação. Há momentos em que as tristezas se tornam, até, inevitáveis. Ninguém, com um mínimo de sensibilidade e bom-senso, vai se alegrar, por exemplo, com a morte de um ente querido. Se o fizer, além de arranjar uma grande confusão com os demais parentes, será tido e havido – e, convenhamos, com toda a razão – como insensível, se não estúpido. O que não se pode, contudo, é adquirir o “vício” da tristeza.
João Guimarães Rosa escreveu um belíssimo texto, com o qual muitos discordam, mas que concordo plenamente. Diz: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos. Essa a alegria que Ele quer”. E nós, em nossa falta de entendimento, não aprendemos a lição.
Li, tempos atrás, um texto de Rom Landau que me deu muito que pensar e que inspirou estas reflexões, que ora partilho com vocês. Ele diz, em determinado trecho: “Toda a vez que a alegria ou tristeza se tornam crônicas, se tornam igualmente perigosas. A tristeza permanente é produzida por quadros exagerados da nossa imaginação, e quanto mais tempo nos entregarmos a tais divagações, tanto mais distanciaremos da realidade”. Até aqui, tudo normal. Essas são a causa e a respectiva conseqüência dos “tristes de carteirinha”, que não vêem graça e encanto em nada na vida.
Mas Rom arremata, de forma até surpreendente, seu texto, da seguinte forma: “A alegria contínua, por outro lado, tende a tornar as pessoas egoístas, esquecidas da realidade, desinteressadas de qualquer coisa que não se relacione com sua própria felicidade”. A propósito, Rom Landau, além de escritor, é educador, acostumado a lidar com gente de todo o tipo e também escultor. É um arabista célebre, ou seja, especialista em costumes e tradições dos povos árabes.
Devemos, sim, viver com alegria e otimismo cada dia da nossa vida, mesmo (ou principalmente) aqueles momentos de aflição e de dor, que todos temos em nosso caminho quando menos esperamos. Nestes casos, uma postura alegre e positiva torna mais suave a travessia desses instantes ruins que, como tudo na vida, também são passageiros. Não conheço uma única pessoa, por mais amarga e infeliz que seja, que não defenda, pelo menos da boca para fora, a alegria, mesmo sem a ter.
A diferença é que tais indivíduos consideram que essa condição é para os “outros”, não para eles. Ou seja, não vivem o que pregam. São dos que deixam implícito o célebre “faça o que falo, não o que faço”. Daí serem tão amargos, tão mal-humorados e tão negativos. Apostam na infelicidade e, por conseqüência, são, de fato infelizes. Mas os que investem na alegria devem ter em conta a necessidade de moderação. Ou seja, de evitar expansões em lugares e momentos inadequados. E buscar, sobretudo, partilhar sua alegria com os tristes, mas sem nunca “esfregá-la” no nariz dos infelizes, como muitos fazem.
Boa leitura.
O Editor.
“A vida é como um jogo de xadrez, em que há um número infinito de complexos movimentos possíveis”. Essa constatação, não vou enganá-los, não é minha. Foi feita pelo norte-americano Shelley Smith. E quem é essa “personalidade”, possivelmente desconhecida para a maioria? É algum filósofo desses bastante badalados? É, porventura, um poeta? Não! É um jornalista. E da área esportiva, correspondente da rede de televisão a cabo ESPN dos Estados Unidos. Sua metáfora, todavia, é pertinente, inteligente e suscita profundas reflexões. Poderia, perfeitamente, ter sido produzida por um filósofo ou por um poeta.
Temos, e esse é um mal generalizado, tendência natural aos excessos. Esquecemo-nos, muitas vezes, de “temperar” a vida e não apenas ela, mas, sobretudo, nossas ações e emoções. E, claro, nos damos mal. Até virtude, se levada ao extremo (caso fosse possível essa façanha) pode ser encarada como defeito. Esse raciocínio, por estranho que lhe possa parecer, esclarecido leitor, também vale para a tristeza (óbvio) e para a alegria. É como um prato sofisticado e caro. Caso nos esqueçamos de temperá-lo, ele ficará insosso e sem graça. Se carregarmos, contudo, no tempero, se tornará intragável. Na vida ocorre, guardadas as proporções, o mesmo.
É poderosíssima a força da alegria. Creio que, mesmo que intuitivamente, há consenso em torno disso. Afinal, ela é capaz de nos imunizar contra todos os sentimentos negativos, como o desespero, a ira e o mau humor. E uma de suas melhores características é o fato dela ser “contagiosa”. Ilumina e encanta o ambiente em que se manifesta. As alegrias podem e devem ser cultivadas no dia a dia, como um delicado canteiro de flores. Para tanto, temos que adquirir o hábito de valorizar as boas coisas que nos cercam e que marcam nossa vida, como uma família bem-constituída e harmoniosa, a boa saúde que ostentemos, as aparentemente pequenas vitórias diárias, que na verdade são maiúsculas e, principalmente, o amor e as amizades.
Há, no entanto, pessoas que nos parecem sempre tristes. Nunca as vimos dar expansão a nenhuma espécie de alegria, como se houvessem sido condenadas a eterno sofrimento. O curioso é que a maioria é até privilegiada, sem grandes carências materiais, ou afetivas. Em geral, colocam seus desejos muito acima das possibilidades e se frustram. Isolam-se do mundo, encaram a vida como castigo e são candidatas potenciais a contraírem doenças, para as quais estão psicologicamente predispostas.
E qual o antídoto para essa tristeza recorrente, extrema e, principalmente, crônica? São vários, todos ao alcance de qualquer um de nós. Uma das condições, provavelmente a principal, é preencher a mente com pensamentos positivos e o tempo com atividades que não permitam pensar bobagens. Outra, é valorizar o que se é e o que se tem. É nutrir esperanças e ter fé de que a vida lhe será pródiga em satisfações, talvez já no dia seguinte, se não no próximo minuto.
Temos que aprender a nos alegrar sem que essa alegria dependa de fatores externos, como coisas e pessoas. Ela deve brotar espontânea em nosso coração pelo simples fato de estarmos vivos, de podermos usufruir, de graça, das delícias da natureza, de um dia de sol, da sombra amiga de um belo bosque, do banquete de beleza proporcionado por um jardim intensamente florido. Vinculamos nossa alegria a pessoas e coisas e quando as perdemos, raramente sabemos como voltar a nos alegrar.
Em ambos os casos, porém, devemos agir com moderação. Há momentos em que as tristezas se tornam, até, inevitáveis. Ninguém, com um mínimo de sensibilidade e bom-senso, vai se alegrar, por exemplo, com a morte de um ente querido. Se o fizer, além de arranjar uma grande confusão com os demais parentes, será tido e havido – e, convenhamos, com toda a razão – como insensível, se não estúpido. O que não se pode, contudo, é adquirir o “vício” da tristeza.
João Guimarães Rosa escreveu um belíssimo texto, com o qual muitos discordam, mas que concordo plenamente. Diz: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos. Essa a alegria que Ele quer”. E nós, em nossa falta de entendimento, não aprendemos a lição.
Li, tempos atrás, um texto de Rom Landau que me deu muito que pensar e que inspirou estas reflexões, que ora partilho com vocês. Ele diz, em determinado trecho: “Toda a vez que a alegria ou tristeza se tornam crônicas, se tornam igualmente perigosas. A tristeza permanente é produzida por quadros exagerados da nossa imaginação, e quanto mais tempo nos entregarmos a tais divagações, tanto mais distanciaremos da realidade”. Até aqui, tudo normal. Essas são a causa e a respectiva conseqüência dos “tristes de carteirinha”, que não vêem graça e encanto em nada na vida.
Mas Rom arremata, de forma até surpreendente, seu texto, da seguinte forma: “A alegria contínua, por outro lado, tende a tornar as pessoas egoístas, esquecidas da realidade, desinteressadas de qualquer coisa que não se relacione com sua própria felicidade”. A propósito, Rom Landau, além de escritor, é educador, acostumado a lidar com gente de todo o tipo e também escultor. É um arabista célebre, ou seja, especialista em costumes e tradições dos povos árabes.
Devemos, sim, viver com alegria e otimismo cada dia da nossa vida, mesmo (ou principalmente) aqueles momentos de aflição e de dor, que todos temos em nosso caminho quando menos esperamos. Nestes casos, uma postura alegre e positiva torna mais suave a travessia desses instantes ruins que, como tudo na vida, também são passageiros. Não conheço uma única pessoa, por mais amarga e infeliz que seja, que não defenda, pelo menos da boca para fora, a alegria, mesmo sem a ter.
A diferença é que tais indivíduos consideram que essa condição é para os “outros”, não para eles. Ou seja, não vivem o que pregam. São dos que deixam implícito o célebre “faça o que falo, não o que faço”. Daí serem tão amargos, tão mal-humorados e tão negativos. Apostam na infelicidade e, por conseqüência, são, de fato infelizes. Mas os que investem na alegria devem ter em conta a necessidade de moderação. Ou seja, de evitar expansões em lugares e momentos inadequados. E buscar, sobretudo, partilhar sua alegria com os tristes, mas sem nunca “esfregá-la” no nariz dos infelizes, como muitos fazem.
Boa leitura.
O Editor.
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Mesmo que contagiante, nossos momentos de alegria
ResponderExcluirde nada servem se não for dividida, mesmo com quem já não saiba mais sorrir.
Abraços
Os apaixonados falam bem mais da tristeza do que da alegria. Alguns deles são tidos como eternos melancólicos. Em "Motivo", cantada por Raimundo Fagner, Cecília Meireles diz:
ResponderExcluir"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta."
Roberto Carlos se expressou assim:
"É tão difícil
Olhar o mundo e ver
O que ainda existe
Pois sem você
Meu mundo é diferente
Minha alegria é triste".
Raridade, mas Tim Maia disse assim:
"Sou feliz agora,
não não vá embora não..."
Apaixonados quase que só sofrem. Raramente cantam a alegria.