Coincidências
* Por Gustavo do Carmo
(Conto)
Formavam um casal apaixonado. Yuri e Mercedes também eram amigos inseparáveis. Moravam no mesmo bairro de subúrbio do Rio de Janeiro. Ninguém sabia da existência um do outro até se conhecerem na Praia Vermelha.
Era um sábado de verão e forte calor. Yuri jogava frescobol com um dos amigos da turma que o levou à praia. A bola fora acabou batendo na cabeça de Mercedes. Ao pegá-la e pedir desculpas para a banhista desconhecida, o jovem jogador ficou paralisado pela beleza e os olhos verdes da moça.
Mercedes tinha um rosto alvo e redondo, cabelos pretos, com uma franja que chegava a incomodar os seus olhos. Seu corpo era bem moldado. Não possuía muito busto e o seu quadril era um pouco grande. Depois de analisar os atributos físicos de Mercedes, Yuri balbuciou um pedido de desculpas, gentilmente aceito, e voltou para o jogo.
Ou tentou voltar. A beleza de Mercedes deixou um gosto doce como um beijo molhado em boca virgem na concentração do rapaz. Desistiu do frescobol e foi para a água. No mar salvou do afogamento uma jovem surpreendida pela onda. Era Mercedes, a mesma que havia levado uma bolada dele. Depois de recuperar o fôlego, ela começou a conversar com Yuri, por meia hora. Até ele ser chamado por um dos amigos para ir embora da praia.
Na semana seguinte, num domingo, Yuri estava no ônibus com a sua mãe, a caminho da mesma Praia Vermelha, quando reencontrou Mercedes. A jovem também estava com os seus pais e o irmão mais novo. Para não deixar a sua mãe sozinha no lotação, Yuri esperou o ponto final para chamá-la. Convidou Mercedes e sua família para sentarem juntos na areia. Ficaram duas horas conversando. A amizade começou, mas ainda não trocaram números de telefone porque Mercedes e sua família saíram antes.
Finalmente, puderam trocar os seus contatos e endereços residenciais quando Mercedes entrou na fila do banco do bairro onde mora, exatamente atrás de Yuri, um rapaz comunicativo, gentil, simpático, moreno claro, franzino e de estatura mediana.
A longa fila proporcionou um bate-papo de duas horas e rendeu um convite do rapaz para ir ao cinema à noite, junto com a descoberta de que os dois moravam no mesmo bairro, separados pela linha do trem.
A amizade entre Yuri e Mercedes se intensificou e, depois do cinema, começou uma paixão que não foi impedida pelos trilhos. Os encontros deixaram de ser coincidências para se tornarem passeios românticos e amorosos.
Naquele bairro tranqüilo e agradável dos anos sessenta, o deslocamento para cada lado também era mais fácil. Bastava apenas esperar a abertura da cancela para atravessar a linha.
Yuri e Mercedes já namoravam há dois anos e estavam quase marcando o noivado quando a moça arrumou um emprego e entrou na faculdade de medicina. Yuri perdeu o avô, atropelado por um trem de carga. Gostava tanto dele que entrou em depressão. Não tinha mais ânimo para namorar. Mercedes não teve tempo para dar o seu ombro amigo, o que deixou Yuri mais aborrecido.
As visitas mútuas rarearam, os passeios diminuíram e o namoro entre Mercedes e Yuri se esfriou. Acabou de vez quando levantaram o muro que cercou a linha do trem, o bairro e a amizade entre os dois jovens.
O acesso ao outro lado da linha ficou difícil. Só poderia ser feito de carro — que nenhum dos dois tinha — ou de ônibus, cujo ponto era distante e a viagem demorada. A passarela provisória não era segura e Yuri, traumatizado, tinha medo de atravessar. A passagem subterrânea ainda estava para ser construída.
O contato mais fácil era pela linha do telefone, que serviu apenas para o casal terminar o namoro.
Dois anos depois, a prefeitura inaugurou o subterrâneo, ainda distante. Yuri começava a superar a morte do avô. Arrumou um emprego no mesmo banco onde foi concebida a paixão por Mercedes, que começava a estagiar em um hospital. Ao lado do prédio de Yuri.
Insatisfeitos com a queda do movimento por causa do fim da livre travessia da linha do trem, a associação comercial do bairro bancou a construção de uma nova passagem subterrânea, mais próxima ao prédio de Yuri.
O outro lado do bairro voltou a ficar mais próximo. Mercedes voltou a freqüentar a casa de Yuri e vice-versa. A amizade foi recuperada. O amor também. Yuri e Mercedes se casaram na igreja matriz do bairro. Tiveram dois filhos. Foram morar em Copacabana.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Todo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.
* Por Gustavo do Carmo
(Conto)
Formavam um casal apaixonado. Yuri e Mercedes também eram amigos inseparáveis. Moravam no mesmo bairro de subúrbio do Rio de Janeiro. Ninguém sabia da existência um do outro até se conhecerem na Praia Vermelha.
Era um sábado de verão e forte calor. Yuri jogava frescobol com um dos amigos da turma que o levou à praia. A bola fora acabou batendo na cabeça de Mercedes. Ao pegá-la e pedir desculpas para a banhista desconhecida, o jovem jogador ficou paralisado pela beleza e os olhos verdes da moça.
Mercedes tinha um rosto alvo e redondo, cabelos pretos, com uma franja que chegava a incomodar os seus olhos. Seu corpo era bem moldado. Não possuía muito busto e o seu quadril era um pouco grande. Depois de analisar os atributos físicos de Mercedes, Yuri balbuciou um pedido de desculpas, gentilmente aceito, e voltou para o jogo.
Ou tentou voltar. A beleza de Mercedes deixou um gosto doce como um beijo molhado em boca virgem na concentração do rapaz. Desistiu do frescobol e foi para a água. No mar salvou do afogamento uma jovem surpreendida pela onda. Era Mercedes, a mesma que havia levado uma bolada dele. Depois de recuperar o fôlego, ela começou a conversar com Yuri, por meia hora. Até ele ser chamado por um dos amigos para ir embora da praia.
Na semana seguinte, num domingo, Yuri estava no ônibus com a sua mãe, a caminho da mesma Praia Vermelha, quando reencontrou Mercedes. A jovem também estava com os seus pais e o irmão mais novo. Para não deixar a sua mãe sozinha no lotação, Yuri esperou o ponto final para chamá-la. Convidou Mercedes e sua família para sentarem juntos na areia. Ficaram duas horas conversando. A amizade começou, mas ainda não trocaram números de telefone porque Mercedes e sua família saíram antes.
Finalmente, puderam trocar os seus contatos e endereços residenciais quando Mercedes entrou na fila do banco do bairro onde mora, exatamente atrás de Yuri, um rapaz comunicativo, gentil, simpático, moreno claro, franzino e de estatura mediana.
A longa fila proporcionou um bate-papo de duas horas e rendeu um convite do rapaz para ir ao cinema à noite, junto com a descoberta de que os dois moravam no mesmo bairro, separados pela linha do trem.
A amizade entre Yuri e Mercedes se intensificou e, depois do cinema, começou uma paixão que não foi impedida pelos trilhos. Os encontros deixaram de ser coincidências para se tornarem passeios românticos e amorosos.
Naquele bairro tranqüilo e agradável dos anos sessenta, o deslocamento para cada lado também era mais fácil. Bastava apenas esperar a abertura da cancela para atravessar a linha.
Yuri e Mercedes já namoravam há dois anos e estavam quase marcando o noivado quando a moça arrumou um emprego e entrou na faculdade de medicina. Yuri perdeu o avô, atropelado por um trem de carga. Gostava tanto dele que entrou em depressão. Não tinha mais ânimo para namorar. Mercedes não teve tempo para dar o seu ombro amigo, o que deixou Yuri mais aborrecido.
As visitas mútuas rarearam, os passeios diminuíram e o namoro entre Mercedes e Yuri se esfriou. Acabou de vez quando levantaram o muro que cercou a linha do trem, o bairro e a amizade entre os dois jovens.
O acesso ao outro lado da linha ficou difícil. Só poderia ser feito de carro — que nenhum dos dois tinha — ou de ônibus, cujo ponto era distante e a viagem demorada. A passarela provisória não era segura e Yuri, traumatizado, tinha medo de atravessar. A passagem subterrânea ainda estava para ser construída.
O contato mais fácil era pela linha do telefone, que serviu apenas para o casal terminar o namoro.
Dois anos depois, a prefeitura inaugurou o subterrâneo, ainda distante. Yuri começava a superar a morte do avô. Arrumou um emprego no mesmo banco onde foi concebida a paixão por Mercedes, que começava a estagiar em um hospital. Ao lado do prédio de Yuri.
Insatisfeitos com a queda do movimento por causa do fim da livre travessia da linha do trem, a associação comercial do bairro bancou a construção de uma nova passagem subterrânea, mais próxima ao prédio de Yuri.
O outro lado do bairro voltou a ficar mais próximo. Mercedes voltou a freqüentar a casa de Yuri e vice-versa. A amizade foi recuperada. O amor também. Yuri e Mercedes se casaram na igreja matriz do bairro. Tiveram dois filhos. Foram morar em Copacabana.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Todo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.
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