quarta-feira, 9 de março de 2011




Crônica da Quarta-feira de Cinzas

* Por Ticiano Duarte

No meu tempo de folião, quando a cidade tinha carnaval de rua, corso, blocos, lança-perfume, confetes e serpentinas e os clubes tradicionais abriam seus salões para quatro dias de grande sucesso, a quarta-feira de cinzas era de saudade e tristeza ao mesmo tempo. De lembranças alegres pelo lado bom do efeito etílico. De recordações incomodas pelo lado dos arrebatamentos exagerados que feriam susceptibilidade de amigos e amigas, de amores que se iam no embalo dos porres e das leviandades.

Mas havia um folião de rua que jamais esqueço, grande boêmio, o saudoso Albimar Marinho. Era do cortejo do rei momo, usufruindo da mordomia dos “assaltos” e visitas oficiais da Corte aos clubes, com direito a bebidas especiais e excelentes tira-gostos.

Parece que o estou vendo, com uma indumentária estranha, parecendo um cortesão do império romano – um saiote ornamentado, braceletes e anéis luminosos, um chapéu de feltro à moda imperial. Era o orador oficial, principalmente, quando o Rei Momo, primeiro e único, era o famoso Luizinho Doblechen, o antecedendo, apresentando como o novo governante da folia, com as chaves da cidade nas mãos.

O carnaval natalense primava pela execução das marchinhas que viam “cheias de encantos mil”, composições dos cariocas que ficaram famosas e ganharam notoriedade e ainda hoje são cantadas. A marcha foi um gênero musical narrando temas cotidianos, do dia a dia e até de gozação política, versos curtos que eram fáceis do povo gravar e cantarolar.

Quem não se recorda de “Maria sapatão”, em 1980, que 30 anos depois pode ser cantada por aí afora, “de dia é Maria e de noite é João”. Uma outra de 1963, “Olhe a cabeleira do Zezé/Será que ele é”, de autoria de Chacrinha em parceria com Roberto Faissal.

Com a volta de Getúlio Vargas, que fora deposto em 1945, “Tira o retrato do velho/Bota o retrato do velho”. Lamartine Babo que foi o rei do carnaval carioca, em 1932, criticou as nomeações dos interventores pelo governo revolucionário, em “O teu cabelo não nega”, ainda executada nos grandes salões dos clubes carnavalesco de todo o país – “Tens um sabor/Bem do Brasil/Tens a alma cor de anil/Mulata, mulatinha, meu amor/Terei nomeado teu tenente interventor”. Setenta e oito anos depois, quando a capital da república não é mais no Rio e está no planalto central o povo brasiliense faz versos e rimas carnavalescas gozando a punição do seu governante encarcerado, durante os festejos momescos.

Outra marchinha, muito cantada, de Paquito, lançada em 1951, quando eu estava em Recife, concluindo o curso clássico: “Tomara que chova/Nos três dias sem parar/A minha grande mágoa/É lá em casa não ter água/E eu preciso me lavar”. Era uma crítica ao precário abastecimento de água, no Rio de Janeiro.

Mas não esqueço da marchinha que eu curti nos salões do Clube Internacional em Recife, na companhia da animada foliã que enamorara no encantamento carnavalesco – “Tanto riso/Tanta alegria/Mais de mil palhaços no salão/Arlequim está chorando por amor da colombina/No meio da multidão”.

Manuel Bandeira cantou inúmeras vezes, em versos, o carnaval: “Eu já tomei tristeza/Hoje tomo alegria”. Apesar de ter expressado em outros versos “Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval/Paixão/Ciúme/Tudo aquilo que não se pode dizer...”.

Num poema de Quarta-feira de Cinzas, o grande vate evoca um pierrot (não mais existe pierrot nos carnavais de hoje) vestia, “Uma túnica inconsútil/Feita de sonho e desgraça...” entre/A turba grosseira e fútil... /Dolorosamente ele passa.

• Jornalista de Natal/RN

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