Mexendo nos ovos mexidos
* Por Mara Narciso
“Adivinhação lusitana:
-O que é o que é: branquinho, branquinho, que a galinha pôs?
-Ou é mastro de navio ou cabo de sovelão”!
Dizem que a pata bota um ovo grande e não faz barulho, e a galinha bota um ovinho e apronta o maior berreiro. Na cartilha de alfabetização tinha uma frase assim: “Eva viu o ovo”, para ensinar a letra “v”. Um prato cheio de arroz com um ovo frito no topo é conhecido como “Tonico e Tinoco”, em homenagem a dupla caipira. A farofa de ovo é o primeiro prato que se aprende fazer, e a gemada, por sua vez, é feita com gema batida com açúcar até perder o cheiro (que é dado pela película que separa a gema da clara), e misturada com leite. Tem fama de ser tão forte que levanta defunto. Muitas receitas de biscoito levam mais de uma dúzia de ovo, o rei da culinária. Sim, o ovo melhora qualquer prato, e o famoso “mexidão” com a sobra do almoço e um ovo quebrado dentro faz o gosto de muitos. “Oh menina, mata um ovo e traz aqui pra mim!”, alguém faz graça.
Antigamente o tratamento de úlcera no estômago era feito à base de ovo quente e leite. De manhã, meu tio ulceroso encontrava a mesa posta com esses dois alimentos. Em menina já amava ovo cozido em água por três minutos e com a gema ainda mole. Ficava olhando meu tio colocar o ovo quente dentro do guardanapo, e segurando-o firme, quebrar um dos lados da casca, e depois tirar uma tampinha de clara cozida, colocar uma pitada de sal, e mergulhar a colherzinha no líquido maravilhoso e dourado da gema. A minha boca se enchia d’água. Eu pedia, fazendo o gesto com a mão sobre o braço, imitando o pano caindo nele: “eu quero um ovo de caldo, assim”. E antes que a inveja me matasse, a minha avó corria e cozinhava outro ovo.
Para mim, o alimento mais gostoso do mundo é murici, a frutinha amarela do cerrado. Depois é ovo frito na manteiga e em seguida o queijo prato. Murici eu procuro no mercado no verão, e os demais, esqueci como é o sabor. São nove anos sem prová-los. O ovo, especialmente a sua gema, foi jogado à categoria de alimento maldito, poucos anos após os pediatras indicarem um ovo ao dia para as crianças crescerem fortes. A associação do colesterol com infartos e AVC - Acidente Vascular Cerebral- (derrames) fez o ovo, rico neste nutriente, ser banido do cardápio dos cardiopatas, e restritos a dois por semana para os sadios, inclusive os misturados nas preparações (receitas).
O nome “colesterine” foi dado à gordura animal em 1815 pelo francês Michel Chevreul, e depois com a descoberta que a substância era um álcool foi acrescentada a terminação “ol” de todos os alcoóis.
Já li em algum lugar que uma gema de ovo tinha colesterol para quinze dias, mas essa informação é falsa. O colesterol é uma gordura vital que entra na constituição da vitamina D, ácidos biliares, cortisol, hormônios sexuais e membranas celulares. O fígado é um laboratório produtor de colesterol, 80% do necessário, e a outra parte vem da alimentação. Só existe no reino animal, e precisamos de 300 mg por dia, sendo que um ovo de galinha, que pesa 50 g em média, tem 200/220 mg de colesterol.
O resgate do ovo vem de 1999, quando foi publicado um trabalho mostrando que não houve aumento da incidência de doenças cardiovasculares em pessoas que fizeram consumo de até um ovo por dia. O valor nutricional do ovo de granja e caipira é igual, assim como a concentração de colesterol e calorias. A cor da casca reflete a raça da galinha, e quanto à preparação, o ovo frito é mais calórico.
Leiam a descrição de Veja para o ovo, alçado ao patamar de iguaria: “uma gema caipira, cozida por um minuto em solução de água e açúcar de modo a ganhar uma finíssima película, é servida sobre queijo de cabra gratinado e purê de batatas”, e mais adiante outra receita “um ovo pochê de gema molinha, do tipo que transborda ao primeiro toque”. Alguém resiste? Acho que apenas eu.
Além da gordura, o ovo tem substâncias antioxidantes, vitaminas e, surpresa, a gema tem mais proteína que a clara. O resgate do ovo, um alimento barato, pode até esconder interesses econômicos, mas o seu veto, tornando-se mais ameno, denota maturidade científica. Em todas as áreas da ciência há o sobe e desce das verdades, notadamente na nutrição. Entre outras coisas, o fim do pecado mortal de se ingerir ovo é um alento, e podem acreditar, não é fácil derrubar paradigmas de cinco décadas. Não, não é!
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
* Por Mara Narciso
“Adivinhação lusitana:
-O que é o que é: branquinho, branquinho, que a galinha pôs?
-Ou é mastro de navio ou cabo de sovelão”!
Dizem que a pata bota um ovo grande e não faz barulho, e a galinha bota um ovinho e apronta o maior berreiro. Na cartilha de alfabetização tinha uma frase assim: “Eva viu o ovo”, para ensinar a letra “v”. Um prato cheio de arroz com um ovo frito no topo é conhecido como “Tonico e Tinoco”, em homenagem a dupla caipira. A farofa de ovo é o primeiro prato que se aprende fazer, e a gemada, por sua vez, é feita com gema batida com açúcar até perder o cheiro (que é dado pela película que separa a gema da clara), e misturada com leite. Tem fama de ser tão forte que levanta defunto. Muitas receitas de biscoito levam mais de uma dúzia de ovo, o rei da culinária. Sim, o ovo melhora qualquer prato, e o famoso “mexidão” com a sobra do almoço e um ovo quebrado dentro faz o gosto de muitos. “Oh menina, mata um ovo e traz aqui pra mim!”, alguém faz graça.
Antigamente o tratamento de úlcera no estômago era feito à base de ovo quente e leite. De manhã, meu tio ulceroso encontrava a mesa posta com esses dois alimentos. Em menina já amava ovo cozido em água por três minutos e com a gema ainda mole. Ficava olhando meu tio colocar o ovo quente dentro do guardanapo, e segurando-o firme, quebrar um dos lados da casca, e depois tirar uma tampinha de clara cozida, colocar uma pitada de sal, e mergulhar a colherzinha no líquido maravilhoso e dourado da gema. A minha boca se enchia d’água. Eu pedia, fazendo o gesto com a mão sobre o braço, imitando o pano caindo nele: “eu quero um ovo de caldo, assim”. E antes que a inveja me matasse, a minha avó corria e cozinhava outro ovo.
Para mim, o alimento mais gostoso do mundo é murici, a frutinha amarela do cerrado. Depois é ovo frito na manteiga e em seguida o queijo prato. Murici eu procuro no mercado no verão, e os demais, esqueci como é o sabor. São nove anos sem prová-los. O ovo, especialmente a sua gema, foi jogado à categoria de alimento maldito, poucos anos após os pediatras indicarem um ovo ao dia para as crianças crescerem fortes. A associação do colesterol com infartos e AVC - Acidente Vascular Cerebral- (derrames) fez o ovo, rico neste nutriente, ser banido do cardápio dos cardiopatas, e restritos a dois por semana para os sadios, inclusive os misturados nas preparações (receitas).
O nome “colesterine” foi dado à gordura animal em 1815 pelo francês Michel Chevreul, e depois com a descoberta que a substância era um álcool foi acrescentada a terminação “ol” de todos os alcoóis.
Já li em algum lugar que uma gema de ovo tinha colesterol para quinze dias, mas essa informação é falsa. O colesterol é uma gordura vital que entra na constituição da vitamina D, ácidos biliares, cortisol, hormônios sexuais e membranas celulares. O fígado é um laboratório produtor de colesterol, 80% do necessário, e a outra parte vem da alimentação. Só existe no reino animal, e precisamos de 300 mg por dia, sendo que um ovo de galinha, que pesa 50 g em média, tem 200/220 mg de colesterol.
O resgate do ovo vem de 1999, quando foi publicado um trabalho mostrando que não houve aumento da incidência de doenças cardiovasculares em pessoas que fizeram consumo de até um ovo por dia. O valor nutricional do ovo de granja e caipira é igual, assim como a concentração de colesterol e calorias. A cor da casca reflete a raça da galinha, e quanto à preparação, o ovo frito é mais calórico.
Leiam a descrição de Veja para o ovo, alçado ao patamar de iguaria: “uma gema caipira, cozida por um minuto em solução de água e açúcar de modo a ganhar uma finíssima película, é servida sobre queijo de cabra gratinado e purê de batatas”, e mais adiante outra receita “um ovo pochê de gema molinha, do tipo que transborda ao primeiro toque”. Alguém resiste? Acho que apenas eu.
Além da gordura, o ovo tem substâncias antioxidantes, vitaminas e, surpresa, a gema tem mais proteína que a clara. O resgate do ovo, um alimento barato, pode até esconder interesses econômicos, mas o seu veto, tornando-se mais ameno, denota maturidade científica. Em todas as áreas da ciência há o sobe e desce das verdades, notadamente na nutrição. Entre outras coisas, o fim do pecado mortal de se ingerir ovo é um alento, e podem acreditar, não é fácil derrubar paradigmas de cinco décadas. Não, não é!
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
Adoro ovo, Mara! Quase não como carne, não sinto nem falta. Omelete recheada com queijo prato é uma delícia!
ResponderExcluirDelícia de texto! Parabéns!
Entre a condenação e a alforria, faço como você, Mara: evito. Até porque preciso seguir uma certa dieta para controlar o colesterol. Mas também admito que adoro um ovinho frito, com gema bem dura, sobre arroz branco. Manjar dos deuses. Um beijo pra você e parabéns pelo texto.
ResponderExcluirTroco um belo bife de picanha por dois ovos
ResponderExcluirmoles sem pestanejar.
Ótimo texto.
Abraços
O ovo quente (ovo de três minutos), era o famoso ovo à la coque, uma delícia!
ResponderExcluirÓtimo texto, parabéns!
Abraços saudosos do,
José Calvino
RecifeOlinda
Lí a matéria da revista citada com água na boca. E seu texto também despertou esta sensação.
ResponderExcluirParabéns Mara.
Pessoal, eu me senti muito prestigiada com a atenção de vocês. Preciso comemorar comendo um ovo frito e assim abandonar um jejum que já dura mais de nove anos. Muito obrigada!
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