quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011


Conhecimento da vida

O
saber não ocupa lugar. Quem nunca ouviu, em alguma fase da vida, notadamente na adolescência, essa afirmação que, de tanto ser repetida, há tempos virou surrado, na verdade surradíssimo clichê? Cansei de ouvir isso quando menino, quando os adultos queriam que eu aprendesse coisas que entendia que jamais iria utilizar. Estava enganado, claro. Tudo o que a gente aprende acaba nos sendo útil quando menos esperamos. Ainda bem que, pelo menos nesse aspecto, não fui tão teimoso quanto em tantas outras coisas.
Ironicamente, acabei desembocando em uma profissão em que a generalidade de conhecimentos (ou pelo menos de informações) é fundamental: o jornalismo. O jornalista precisa saber um pouco de tudo, mesmo que não se especialize em nada que extrapole sua atividade. As pessoas até brincam conosco, profissionais da área, descambando via de regra para exageros, sobre esse aspecto.
Ouvi e ouço, amiúde, que o jornalista é “especialista em generalidades”. Ou seja, que sabe um pouco de tudo, mas não sabe tudo de nada. Claro que as coisas não são bem assim. Conheço colegas com cultura geral sólida, de fazer inveja a profissionais de tantas outras áreas mais badaladas. Da minha parte, procuro seguir o que tanto ouvi na infância, de que o saber não ocupa lugar, e tento aprender tudo o que posso, mesmo sem ser, digamos, excessivamente pragmático.
Para o escritor, essa variedade de conhecimentos, que à primeira vista parecem absolutamente inúteis, torna-se essencial. Pouca gente se preocupa em saber, por exemplo, o nome de pássaros e mais, em identificar seu tamanho, penugem, canto e hábitos, a não ser que se trate de um ornitólogo ou de algum criador dessas aves. Ao escritor, contudo, esse conhecimento pode livrá-lo de vexames, além de dar verossimilhança às suas histórias.;
O mesmo vale em relação, por exemplo, à decoração de interiores de residências, com a descrição dos diversos estilos de móveis, de tapetes, de quadros ou das próprias características arquitetônicas das residências. Isso enriquece os cenários que cria, por onde seus personagens transitarão. Já passei por essa experiência e perdi um tempo enorme pesquisando o nome de determinada flor do jardim da moradia de um herói de um conto.
Quem não é dó ramo pode achar que se trate de excesso de zelo. Os desbocados chegam a dizer que se trata de “frescura”. Não é, estejam certos. São detalhes que, conscientemente, os leitores sequer notam, quando apresentados com correção. Mas quando cometemos algum deslize, quando nos equivocamos na caracterização de algo, imediatamente alguém percebe e isso se espalha como fogo em capim seco. Cabe-nos ser observadores de tudo e de todos e, sobretudo, peritos na descrição do que vemos ou que já vimos, mesmo que há décadas.
Experimentem escrever uma crônica e errar em algum detalhe que lhes pareça insignificante. Descrevam, por exemplo, determinada flor, digamos, um dente de leão, mas afirmem que se trata de um jasmim. É um errinho de nada, não é mesmo? Não, não é! De imediato, se o texto for publicado num blog, ou num site da internet, o espaço destinado a comentários será imediatamente ocupado por alguém que fará questão de espinafrá-lo, chamando-o, no mínimo, de ignorante. Daí para cima. Se você não cometer nenhum equívoco, o mais provável é que ninguém comente o que você escreveu. Mas se errar... Ai, ai, ai.
Essa necessidade de atentar para detalhes aparentemente banais e até imperceptíveis é que me dá mais trabalho para dar por concluído algum livro, notadamente de ficção. No processo de revisão, não são tanto os cortes que tenho que fazer na profusão de adjetivos (vício que afeta a maioria dos escritores), embora corte-os à beça. A tarefa mais trabalhosa é a de detecção dos nomes de plantas, de estilos de móveis, de pássaros etc.etc.etc. que eventualmente estejam incorretos.
Boa parte disso tudo já consegui memorizar. É verdade que não são todas as áreas que já domino. Espero chegar lá. Não sei distinguir, por exemplo, uma espécie de borboleta de outra. E isso é relevante? Talvez seja, talvez não. Depende se eu cismar de escrever a respeito. E nunca se sabe.
Outra coisa que é interessante aprender refere-se à culinária. E este país continental, de tantas peculiaridades e diferenças, conta com uma variedade de pratos como raramente se vê em outro lugar do mundo. E é desejável que aprendamos não somente o que os brasileiros dos mais diversos rincões comem, mas também qual é o paladar dos chineses, finlandeses, indianos, afegãos, fijianos etc.etc.etc.
A moda não deve ser deixada de lado e muito menos a música. Você não precisa gostar de rock para identificar os principais cantores, conjuntos, compositores e composições. O mesmo vale quando se trata dos clássicos. Você cometerá uma mancada fenomenal caso atribua uma composição de Beethoven a Mozart, a Stravinski ou a Tchaikovski. Ou se confundir uma ópera com uma sinfonia e vice-versa, embora (e principalmente) ambas sejam tão diferentes.
Acredite-me, amigo escritor (e mesmo que não o seja), o saber não somente não ocupa lugar, como sempre lhe será útil em várias circunstâncias, quando não em todas e quando você menos esperar. Cada coisa que você aprender será, mesmo que não lhe pareça, lição de vida, esta aventura fascinante, complexa, às vezes perigosa, não raro dolorosa, mas de incomparável valor, por ser única.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. O que eu quero saber há muito não cabe numa só cabeça, e por isso desisti. Ainda sssim continuo tentando aprender, sem pretensão de saber mais do que um pouco de tudo. Em medicina também há o mesmo ditado dos jornalistas em relação as chamadas superespecializações: saber tudo de quase nada. O que vem ser o oposto de saber quase nada de tudo.

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