quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011


Garimpeiros de histórias

O jornalista e o escritor têm muito mais coisas em comum do que as pessoas comuns podem supor. E não somente por terem na palavra escrita a ferramenta dos seus respectivos ofícios. Ambos são, sobretudo, garimpeiros diligentes de histórias, com as quais moldam suas respectivas produções: o jornalista, para escrever uma boa reportagem. O escritor, para produzir romances, contos e novelas que emocionem multidões e as façam refletir.
Há, claro, também várias diferenças. Daí serem atividades distintas, a despeito das semelhanças (mas não igualdades) que possuem. O jornalista tem, entre outras coisas, tempo restrito para narrar suas histórias, adstrito ao “deadline”, ou seja, ao horário de fechamento das edições. Ademais, exige-se, dele, extremo rigor no que se refere à veracidade. Sua reportagem precisa ser a mais lídima expressão da realidade. A história contada tem que ser verdadeira nos mínimos detalhes. A menor invenção, desvirtua a matéria e a invalida. Não se admitem mentiras em jornalismo, sob pena do profissional dessa área perder o que pode ter de mais precioso: credibilidade.
O escritor, por seu turno, decide sozinho (salvo raras exceções) quanto tempo vai precisar para elaborar sua narrativa. Isso, claro, a menos que tenha contrato firmado com sua editora, estipulando prazo para a entrega do seu livro. A história que se propõe a contar pode até ser baseada em fatos reais, mas não precisa, necessariamente, basear-se na realidade. Poder é uma coisa e ser obrigado a é outra. A imensa maioria das histórias não se baseia em fatos reais. Compete ao escritor criar tanto os personagens, quanto cenários e circunstâncias que existam apenas na sua cabeça e, no entanto, sejam verossímeis. A condição é que, no mínimo, façam com que os leitores “desconfiem” que se trate de fatos.
Há outros tantos diferenciais entre estes dois tipos de redatores, ora favorecendo um, ora o outro. A reportagem, ou seja, o texto jornalístico, por melhor que seja escrita, tem curtíssima durabilidade. Afinal, o jornal “nasce” por volta das quatro horas da madrugada, quando chega às bancas e “morre” por volta do meio-dia.
Com o advento da internet e dos jornais eletrônicos, essa “morte” é ainda mais prematura. Salvo se a reportagem for tão excelente, a ponto de ser candidata a algum prêmio jornalístico (o Esso, por exemplo, que é o mais prestigioso deles, ou o Comunique-se), o texto será logo, logo esquecido. As pessoas podem, até, se lembrar da história narrada, mas raramente se lembrarão de quem a narrou.
Já o escritor, nesse aspecto, leva nítida vantagem sobre o jornalista. Caso a sua criação seja, de fato, memorável, será lembrada por décadas, séculos, até por milênios, ou seja, por muito tempo depois da sua morte. Um livro dificilmente “morre”, caso seja bom. Pode permanecer “adormecido” por muito tempo, esquecido pelos leitores, mas em determinado dia, por força do acaso ou de alguma fortuita circunstância, tende a ressurgir. Volta e meia topo, nos sebos que freqüento (e há anos tenho esse saudável hábito) com obras há muito esquecidas. Quando boas, faço a minha parte para promover sua ressurreição. E geralmente dá certo.
Claro que em tantos outros aspectos, o jornalista leva vantagem sobre o escritor. Por exemplo, o jornalismo é, há já cerca de dois séculos, uma profissão, o que confere certa respeitabilidade e, principalmente estabilidade financeira a quem milita no meio.
Já o escritor... Qualquer pessoa que escreva e se aventure no mundo das letras pode se autonomerar como tal, mesmo que não o seja. Não se exige nenhum diploma para se exercer essa atividade. Desde que o sujeito escreva um livro qualquer e encontre quem esteja disposto a publicá-lo, pode se considerar um “escritor”.
As duas atividades, porém, podem ser complementares (e via de regra, são). Inúmeros dos principais escritores, mundo afora, freqüentam ou já passaram, em alguma fase de suas vidas, por redações de jornais e revistas. Hoje, mais do que nunca, isso acontece com enorme freqüência.
Você pode ser, ao mesmo tempo, jornalista e escritor, sem que uma atividade atrapalhe a outra. E é até desejável que o seja, desde que você não misture as duas coisas, quer na concepção das histórias, quer na linguagem adotada. O jornalista lida com fatos, frios, secos, nus e crus. O escritor, por seu turno, pode até se valer de histórias que realmente ocorreram, mas sua “praia” é a criatividade, a fantasia, o insólito, a subjetividade. A linguagem do primeiro tem que ser, necessariamente, objetiva. A do segundo terá mais valor quanto mais subjetiva puder ser.
Paradoxalmente, contudo, as histórias mais surpreendentes e surreais são as da vida real, ou seja, a matéria-prima do jornalista. Nenhum escritor, por mais criativo e fantasioso que seja, será capaz de competir, em loucura, mistério, maldade, bondade etc. etc.etc. com a realidade. Nas reportagens, ao contrário de nos romances, contos e novelas, quem se dá bem, normalmente, é o vilão, em detrimento do herói. Raramente acontece um “happy end”, um final feliz, e quando este ocorre, não desperta tanta (ou nenhuma) atenção do leitor. Já na literatura... E isso, mesmo jornalistas e escritores serem garimpeiros de histórias. Ambos encontram, cotidianamente, na vida real, esse precioso diamante. A diferença, no entanto, está na “lapidação”.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Valorizo mais as cenas da vida real, assim dou preferência às biografias, mesmo com as nuances literárias, as licenças que o autor pode ter. A ficção não me desperta tanto quanto a realidade.

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