Pugilista cujo recorde jamais foi
igualado
Ao nos referirmos a recordes olímpicos (e não importa em que
modalidade) pensamos, de imediato, e exclusivamente, nos que foram
estabelecidos nos Jogos da era moderna. Ou seja, nos que começaram a ser disputados
no final do século XIX, em 1896, em Atenas. É fato que existem pouquíssimos
registros das Olimpíadas da Antiguidade. E poucas pessoas têm acesso a eles, o
que dificulta ainda mais o conhecimento de atletas notáveis, mas que estão
completamente esquecidos, como se nem mesmo tivessem existido.
Outro fato é que há um único recorde estabelecido na Grécia
Antiga que não foi batido até hoje, a despeito de todas as facilidades que os
competidores atuais têm e que os antigos nem sonhavam ter. Há toda uma ciência,
hoje, em torno dos atletas que vai desde uma alimentação perfeita e balanceada,
até equipamentos esportivos planejados e construídos para possibilitar o máximo
de eficiência dos esportistas de ponta. Isso sem falar nos “milagres” da
Medicina e nem das sofisticadas técnicas de treinamento que nunca passaram nas
cogitações mais fantasiosas dos antigos.
Pois é, com tudo isso a favor dos esportistas contemporâneos,
há um recorde olímpico – embora em uma única das três modalidades que “sobreviveram”
nos dias atuais – que ninguém, a despeito dos recursos e facilidades existentes
hoje, das que citei, conseguiu quebrar. Trata-se do número de títulos obtidos
no boxe. Esse esporte demorou quase um século para se tornar olímpico. A
primeira competição da modalidade foi disputada em 688 a.C., na 23ª Olimpíada.
Foi aí que o pugilista Onomastus de Esmirna começou a fazer história. Ele não
somente foi o grande campeão, como sugeriu (e foi acatado) as regras desse
esporte que são, com uma adaptação ou outra, respeitadas até hoje, 2400 anos
depois. Só isso já seria suficiente para imortalizá-lo como herói olímpico.
Todavia, a façanha de Onomastus não se limitou a isso. Foi
maior, muito maior. Ele ganhou, também, as três Olimpíadas posteriores,
colecionando, portanto, quatro títulos olímpicos. Foram dezesseis anos de
incontestável (e insuperável) hegemonia. E só não acumulou um quinto título por
causa da idade, que impediu que disputasse mais Jogos Olímpicos. Sabem,
leitores, o que é mais notável de tudo? Passados quase 2400 anos, ninguém
sequer chegou perto do seu recorde, quer na Antiguidade, quer nos tempos
atuais. E olhem que tivemos pugilistas notáveis, entre os quais o
extraordinário Muhammad Ali. A maioria, no entanto, limitou-se a um único
título. Ainda assim foi “mitificada”.
Quem mais se aproximou do feito de Onomastus foi o húngaro
Laszlo Papp, o maior pugilista amador do século XX, campeão olímpico de boxe em
três Olimpíadas consecutivas: as de Londres (1948), Helsinque (1952) e
Melbourne, na Austrália (1956). Salvo imensa surpresa, é provável que em tempo
algum ninguém conseguirá nem mesmo se aproximar, e muito menos superar, a
façanha do pugilista magiar. E muito menos, por conseqüência, a de Onomastus,
claro. O recorde do atleta grego provavelmente permanecerá como inatingível desafio
gerações afora, enquanto as Olimpíadas existirem.
A história, porém, é crudelíssima com ele. Registra o feito
notável desse maior recordista do boxe de todos os tempos, mas omite dados triviais
a respeito de sua vida. Se teve algum biógrafo (e suponho que teve, e mais de um),
nenhuma biografia dele “sobreviveu”. Só se sabe desse atleta, além de suas
quatro vitórias olímpicas e de que foi o criador das regras seguidas até hoje em
sua modalidade, a cidade em que nasceu: Esmirna. É só!! Não há absolutamente
nada mais!
Nenhum historiador informa, por exemplo, as datas de
nascimento e de morte de Onomastus, o que ele fez na vida (além de praticar seu
esporte), enfim, como viveu e o que fez fora do pugilismo. E ele ainda assim
teve muita sorte em relação a tantos outros (sem exagero, milhões) – e não
somente esportistas – que nem mesmo têm sequer o nome lembrado, embora
vivessem, amassem, odiassem, fossem felizes, infelizes etc.etc.etc. e que mesmo
sendo importantes em seu tempo, para nós, pessoas do século XXI, “nunca
existiram”, por não haver o menor vestígio de sua passagem pela Terra. Fico perguntando,
cá aos meus botões: quantos de nós deixaremos o mínimo rastro para a posteridade,
para os que viverem, por exemplo, em 2116, 2216, 2316 e vai por aí afora (isso,
claro, se o suposto Homo Sapiens não destruir antes este nosso pequeno e frágil
Planeta, o que é impossível de assegurar) de quem somos, do que queremos e do
que fizemos? Sim, leitor: quantos?
Boa leitura!
O Editor.
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