O novo Jeca Tatu
* Por
Eduardo Carvalho
Alguém precisa
anunciar a existência de um novo Jeca. Visualmente diferente, e também com
alguns hábitos adaptados à vida mais urbana, essa reencarnação do caboclo
preguiçoso infesta agora as maiores cidades brasileiras. O Jeca Tatu hoje é um
piraquara do Rio Pinheiros, vacinado, bem nutrido pelos melhores aperitivos, de
bigode tingido, com meia dúzia de cursos de vinho no currículo e bônus no fim
do ano para passear no shopping.
O Jeca Tatu antigo
levava para a feira o que a “natureza derrama pelo mato”. O shopping hoje é o
mato do novo Jeca Tatu. É onde ele se abastece de acordo com o seu primeiro
princípio: desde o Jeca clássico, “seu grande cuidado é espremer todas as
conseqüências da lei do menor esforço”. E nenhuma prática social mais
civilizada, se não estiver alinhada com esta regra primordial, consegue ser
absorvida pelos hábitos do Jeca Tatu, O Incivilizável.
Antes, o Jeca Tatu não
tinha consciência do estado espiritual bruto em que desperdiçava a sua vida. O
novo Jeca, porém, já familiarizado com algumas letras, provavelmente sabe que
existe o risco de ser confundido com o antigo. E por isso ele se empeteca com
pequenos sinais do progresso, como um carro alemão. É que o Jeca contemporâneo,
porque vive no ar-condicionado, sob luz fluorescente, acha que consegue dessa
forma escapar de ser Jeca. Só que conforto não educa. Apesar de materialmente
mais civilizado, a jequecie resiste indomada no seu espírito e em quase todos
os seus gestos.
A perspectiva
jecocêntrica do mundo é inspirada na combinação da moleza com a malandragem. E
nisso os dois Jecas são totalmente iguais. O Jeca clássico era esperto na venda
de uma mula; o de hoje engana o comprador da moto que usa nos finais de semana.
Ao contrário da previsão original, o Jeca Tatu na verdade se deixou, sim,
penetrar pelo progresso. Mas não pela civilização. Ele tem cartão de crédito,
acumula milhas e viaja de primeira classe; mas ainda não aprendeu como funciona
a lógica de uma fila indiana.
O Jeca, antes e hoje,
é incapaz de se comportar aceitavelmente. Inseguro para se apresentar dentro
das regras, ele tenta fazer com que a sua vida funcione, eticamente, pelas
beiradas do mundo civilizado. Mas essa suposta esperteza é também uma forma de
se acocorar. O novo Jeca ainda é espiritualmente um vegetal, que “não fala, não
canta, não ri, não ama. Só ele, no meio de tanta vida, não vive...”
*
Escritor.
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