terça-feira, 23 de agosto de 2016

Fantasia sobre a felicidade

* Por Evelyne Furtado


De repente todas as convenções foram banidas. Todas as formalidades derrubadas. Todas as leis revogadas. Não haveria mais lugar para a hipocrisia naquela nação.

Com apenas uma Emenda Constitucional, fora decidido que tudo seria permitido, ressalvado em apenas um parágrafo, que somente a felicidade regeria a nação.

E todo aquele povo parou estático diante da TV onde o presidente em pessoa lia a nova Carta Magna, resumida em um artigo.

A princípio alguns exultaram, enquanto outros tentavam entender melhor o que aquilo significava. Grande parte da população nem deu importância, afinal todos os dias surgia mais uma lei que não pegava.

Aos poucos as reações mudaram. Para começar muitos não sabiam o que era felicidade e de tanto pensarem, começaram a se sentir angustiados. Os mais afoitos correram em busca dos sonhos antes impossíveis, sem se incomodarem em atropelar outros sonhos. Enquanto casais comemoravam em êxtase o amor antes proibido, homens e mulheres choravam a perda daqueles que tinham sob as suas posses, por força das convenções.

Os bares encheram-se para os que viam a felicidade na embriaguez, o que resultou em brigas e acidentes. Lojas foram invadidas por consumidores compulsivos, certos de que ali morava a felicidade. Igrejas lotaram pelos que buscavam a paz espiritual.

Muitas pessoas ficaram mais infelizes ainda, pois não sabiam viver sem convenções, formalidades, hipocrisias. Não sabiam mais como destilar todo veneno acumulado em anos de infelicidades.

Em pouco tempo a euforia deu lugar à bagunça institucional. Apenas os workaholics trabalhavam sem parar e se sentiam felizes. Os demais se dedicavam aos hobbies ou ao bom ócio de cada dia. A situação chegou a tal ponto que o Congresso foi convocado às pressas e foi uma luta fazer os parlamentares comparecerem. Enfim deputados e senadores foram conscientizados do caos que tendia a crescer e aprovaram às pressas uma nova constituição semelhante à anterior.

Dessa vez a nação escutava atenta o discurso do presidente interino anunciando a data das próximas eleições e outorgando a Lei Maior que passaria a vigorar a partir de então.

A felicidade voltaria a ser o que sempre foi: perseguida por muitos, reconhecida por poucos e conquistada pelos corajosos que se acham dela merecedores.

* Poetisa e cronista de Natal/RN.

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