quinta-feira, 25 de agosto de 2016

“Nenhum poeta é cavalo de corrida”

  
O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico”. Esta tirada genial é de um dos mais criativos e brilhantes poetas brasileiros de todos os tempos – que, aliás, não gostava de ser classificado dessa forma – Mário Quintana, que morreu, em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre, aos 87 anos de idade. Gosto de escrever a respeito deste meu saudoso conterrâneo. É verdade que prefiro ler seus mágicos poemas e encantadoras crônicas. Mas escrever a seu respeito dá-me enorme satisfação, mesmo que não tenha nada de novo a dizer a seu respeito.

Os amigos de Mário Quintana definiam-no como um boêmio, não no sentido pejorativo do termo, mas como um homem que olhava a vida com ternura e com humor. Era um mestre da fina ironia, da tirada inteligente e carregada de lirismo, das definições inusitadas. Certa feita perguntaram-lhe, por exemplo, quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, respondeu: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. E não estava certo? Claro que sim!

Quintana era assim: Simpático, bonachão, modesto, descomprometido tanto em termos de literatura, quanto em sua vida pessoal. Admirado, amado, até idolatrado, principalmente pelos jovens, não perdia a compostura.

“Escrever...Mas por quê?
Por vaidade, está visto...
Pura vaidade, escrever!
Pegar da pena...
Olhai, que graça terá isto
se já se sabe tudo o que se vai dizer...”

Foi dessa forma que ironizou sua atividade no poema “Da preocupação de escrever”. Quintana amava a vida, à qual encarava com muita ternura e ironia, saboreando-a como uma aventura digna de ser enfrentada, a despeito das injustiças, da miséria, da insensatez e dos horrores.

“Dias maravilhosos em que os jornais
vêm cheios de poesia...
e do lábio do amigo
brotam palavras de eterno encanto...

Dias mágicos...
em que os burgueses espiam
através das vidraças dos escritórios
a graça gratuita das nuvens”.

Assim Quintana se expressou no poema “O Milagre”. Sua imagem, para os que o admiravam e amavam, estará sempre associada à palavra “alegria”. Por um feliz acaso, nasceu na cidade de Alegrete e morreu em Porto Alegre. Parte de sua poesia foi escrita de modo não-convencional, em prosa, em forma de citações, carregadas de lirismo, mas sem a distribuição em versos. “E, quando morto de mesmice, te vier a nostalgia de climas e costumes exóticos, de jornais impressos em misteriosos caracteres, de curiosas beberagens, de roupas de estranho corte e colorido, lembre-se que para alguém nós somos os antípodas; um remoto, inacreditável povo do outro lado do mundo, quase do outro lado da vida – uma gente de se ficar olhando, olhando, pasmado...Nós, os antípodas, somos assim”, escreveu em “Do inédito”.

“O que mais me comove, em música, são essas notas soltas – pobres notas únicas – que do teclado arranca o afinador de pianos”, observou em “Meu trecho predileto”. “Amar é mudar a alma de casa”, sentenciou em “Carreto”. Não dá para falar em morte quando se trata de alguém que sempre foi um amante inveterado da vida. Quintana não morreu: ficou encantado e mudou sua alma de casa, para o coração dos que sempre o admiraram.

Tragédia? Nem pensar! Afinal, foi o próprio poeta quem constatou: “Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca...Outras vezes, senta uma mosca e desaba uma cidade”.

O que me causa espanto é o fato de Mário Quintana não haver sido eleito para a Academia Brasileira de Letras. Consta que se candidatou por duas vezes (se eu não estiver enganado) e que perdeu em ambas. Que mancada dos membros da ilustre casa de Machado de Assis que não votaram nele!!!! Sua eleição deveria ser unânime, ora bolas. Claro que o fato de jamais freqüentar a ABL não o deslustra em nada. A Academia é que saiu perdendo e que só ganharia com sua eleição, mesmo que Quintana não quisesse (e, pelo que sei, não fazia lá grande questão) ser eleito. Deveria ser escolhido à sua revelia.

Quanto ao Prêmio Nobel de Literatura, cuja candidatura do meu saudoso conterrâneo jamais foi cogitada, não me admira que nunca tenha nem mesmo chegado perto. Muito “pangaré” (e me perdoem a irreverência), que nem remotamente se aproximou do talento, magistralidade e sensibilidade de Quintana, foi premiado. Deles só sabemos que existiram ao lermos seus nomes na relação dos ganhadores. Pior, portanto, para o Nobel de Literatura!!!! Isso o diminui em qualquer aspecto? Ora, ora, ora. Claro que não!!! Afinal, como o próprio Quintana escreveu, “nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Primeiro lugar, aliás, a que ele chegou.   


Boa leitura!



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