quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Gula fatal



A natureza tem regras inflexíveis, gerais, válidas para absolutamente todos os seres vivos, que não podem ser burladas impunemente. Muitos até que tentam burlar. Contudo, quem se arrisca a passar por cima delas paga, invariavelmente, um preço, que não raro pode significar a perda prematura da vida. Nem tudo o que agrada os sentidos e nos dá prazer é saudável. Aliás, a maioria não é.

Lembro-me que um dos grandes sucessos de Roberto Carlos, nos anos 70, era uma canção cuja letra dizia, em determinado trecho: "...Porque tudo o que é bom é ilegal, imoral ou engorda" (talvez não seja literalmente isso o que escreveu o letrista, mas o sentido é esse). Pessoas de hábitos austeros, com alimentação frugal, dedicadas ao trabalho e ao raciocínio, parecem viver mais. Pareciam... Agora, já há prova concreta, baseada em estudos sérios e meticulosos, de que não se trata apenas de impressão, mas de certeza.

Estas considerações vêm a propósito de uma notícia, publicada pela imprensa, há já quase uma década, dando conta de que pesquisadores norte-americanos descobriram o tão desejado "elixir da longa vida". E o que isso tem a ver com as regras da natureza, ou com os hábitos alimentares (saudáveis ou não) das pessoas? Tem tudo!

Essa "fonte da juventude", que Ponce de Leon acreditava ter descoberto na Flórida, e que centenas de aventureiros procuraram em vão pelo mundo afora, não se situa em qualquer lugar remoto e perdido do Planeta, como muitos pensavam (e ainda podem pensar). Está em nosso organismo, no âmago das nossas células. Trata-se da proteína que os cientistas batizaram de "Sir2", responsável pela longevidade dos animais. E, por conseqüência, dos homens... É essa maravilhosa substância que impede a superutilização dos genes e, com isso, evita que as pontas dos cromossomas se desgastem, os preservando da degradação. Com isso, aumentam o tempo de vida dos que a possuem.

Até aí, tudo bem. Ocorre que essa mágica proteína só está presente no organismo das pessoas que se submetem a "regimes drásticos de alimentação". Em outras palavras, daqueles que, no dizer dos nossos avós, "comem para viver e não vivem para comer". Bem que se diz que não é apenas o peixe que "morre pela boca". E não é mesmo. Hoje, esses dois grupos (os que ingerem alimentos em quantidade muito maior do que a necessária e os que vegetam em permanente inanição) equivalem-se em quantidade. "E como sabemos disso?", perguntará o leitor céptico, que seja dado à prática da glutonaria.  Mediante a divulgação, pela imprensa, também quase uma década atrás, de uma outra pesquisa, intitulada "A Epidemia Global da Má Nutrição", levada a efeito pelo Instituto Worldwatch dos Estados Unidos.

Os autores deste estudo concluíram que o número de pessoas desnutridas no mundo (famintas, na verdade), que na época era de 1,2 bilhão de indivíduos, era, por incrível coincidência, o mesmo que o de obesos (os que comem em demasia e alimentos inadequados). Portanto, fica claro que mais de um terço da humanidade, não sabem (ou não podem) comer direito. A proporção entre os dois grupos permanece, hoje, praticamente a mesma.

O primeiro grupo paga um preço intolerável pela gula do segundo. E este, por sua vez, paga o inflexível preço, cobrado pela natureza, pelos excessos que comete. Tudo, provavelmente, ficaria bem se ambos partilhassem os seus extremos. Ou seja, se os gulosos comessem menos e se a parte que deixassem de comer fosse destinada aos que não têm recursos para comprar a comida de que precisam. Essa possibilidade, contudo, não passa de utopia.

Os "regimes drásticos de alimentação", responsáveis pela existência no organismo da proteína da longevidade, não significam, evidentemente, a privação de alimentos. Caso significassem, os mais pobres entre os pobres da Terra teriam vidas longas, no mínimo centenárias, e não morreriam precocemente de doenças de fácil combate, que ceifam multidões, nos chamados Quarto e Terceiro Mundo. Alimentar-se bem é, portanto, questão de "qualidade", não de "quantidade".

No Brasil, a Worldwatch detectou, naquela oportunidade, que 36% da população já estava no time dos "gordinhos", ou seja, naquele grupo de risco, que precisava fechar, urgentemente (pelo menos um pouco mais), a boca, se não quisesse morrer de forma repentina e prematura. É a justa punição da natureza para aqueles que participam do indecente e absurdo processo de exclusão, que nos faz duvidar da existência de uma genuína civilização no mundo, nesta segunda década do terceiro milênio. Na África, por outro lado, há 150 milhões de crianças desnutridas, com seu desenvolvimento físico e mental seriamente comprometido, sob o risco de morrerem de inanição ou das seqüelas da subnutrição! O consolo está na conclusão de que dois terços da humanidade (a maioria, portanto) alimentam-se de forma adequada e saudável, pelo menos por enquanto. Tomara que os extremos finalmente se toquem. E que a fome, esse flagelo filho do egoísmo e da injustiça social, seja, um dia, banida da face da Terra... É improvável, mas tomara que aconteça. A natureza faz a sua parte para promover esse equilíbrio.  Falta o homem...

Boa leitura!


O Editor.

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