Fidel, 90 anos
* Por
Frei Betto
Fidel é o primeiro
revolucionário a atingir a idade de 90 anos. Conheci-o no primeiro aniversário
da Revolução Sandinista, em Manágua, em 19 de julho de 1980. Lula e eu
atravessamos a noite em conversa com ele, na casa de Sergio Ramirez, escritor e
vice-presidente da Nicarágua.
Na ocasião,
perguntei-lhe: “por que o partido e o Estado cubanos são confessionais?” “Como
confessionais?” reagiu. E completou: “Somos ateus!” Objetei: “Comandante,
professar ou negar a existência de Deus é confessionalidade. A modernidade exige
partidos e Estados laicos”.
Ele admitiu jamais ter
encarado a questão por esse ângulo e descreveu as dificuldades de diálogo com
os bispos católicos de seu país. Convidou-me, então, para ajudá-lo a se
aproximar do episcopado.
No ano seguinte, fiz a
minha primeira viagem a Cuba, assumi o apelo com a anuência da conferência
episcopal cubana e, desde então, mantemos contatos que já deram como
resultados: a longa entrevista que me concedeu, em 1985, na qual faz
autocrítica da relação da Revolução com a Igreja Católica, e opina
positivamente sobre a religião; o estatuto do Partido Comunista e a
Constituição do país reconhecem, desde a década de 1990, essas instituições
como laicas; o excelente diálogo atual entre governo e episcopado católico; e o
fato de Cuba ter merecido, desde 1998, quatro visitas papais.
Em se tratando de
Fidel, comemorar 90 anos é quase um milagre. Não lembro de outro chefe de
Estado que tenha sofrido tantas tentativas de assassinato. Dizem os cubanos que
somam centenas.
Com todas as suas
contradições e falhas, a Revolução vitoriosa em 1959 fez de Cuba uma nação de
reconhecida qualidade de vida. Os índices de organismos internacionais, como
ONU, Unesco, OMS e FAO, comprovam os significativos avanços na educação, na
saúde e na segurança alimentar dos 11,2 milhões de habitantes da ilha.
Admirado como líder
revolucionário por uns, considerado ditador por outros, o fato é que Fidel
conseguiu que Cuba resistisse ao efeito dominó causado pela derrubada do Muro
de Berlim e a implosão da União Soviética. E apesar do bloqueio imposto ao país
pelos EUA desde 1962, criou as condições para evitar ali bolsões de miséria,
tão comuns nos demais países do continente, e destacar Cuba no cenário
internacional através do talento de seus cientistas, escritores, artistas e
desportistas.
Hoje, Fidel vive
recolhido na casa em que sempre morou, em companhia de sua mulher Dalia Soto
del Valle, mãe de cinco dos sete filhos que ele tem. Seu irmão Raúl é quem
comanda o processo de reaproximação de Cuba com os EUA e as mudanças que visam
a modernizar o país. Aceleram-se a desestatização, os empreendimentos privados,
os investimentos estrangeiros e a melhoria das relações de Cuba com países do
Primeiro Mundo.
Fidel já não interfere
nas ações de governo. Mantém-se muito bem informado sobre as conjunturas
nacional e internacional; lê avidamente, desde análises políticas a biografias,
de cosmologia a ficção científica; e eventualmente recebe personalidades que
visitam Havana.
Cuba superou o Japão
e, agora, é o país com a maior proporção demográfica de pessoas com mais de 100
anos. Sartre, ao visitar a ilha em 1960, escreveu Furacão sobre Cuba.
Referia-se à turbulência política provocada pela Guerra Fria e ao desafio de se
implantar o socialismo em uma pequena ilha tão próxima das barbas de Tio Sam.
Hoje, o crescente
número de turistas constata que os furacões continuam, mas já não passam de
fenômenos climáticos. E Fidel se mostra satisfeito com a obra que lhe foi
inspirada por José Martí.
*
Escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol
dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial
da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de 60 livros, editados
no Brasil e no Exterior, entre os quais "Batismo de Sangue", e
"A Mosca Azul".
Nenhum comentário:
Postar um comentário