quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Instrumentos de paz



* Por Pedro J. Bondaczuk



O jornalista tem missão das mais ingratas na sociedade. Compete-lhe divulgar as piores notícias, reportar os fatos mais dramáticos e dolorosos e trazer à baila os problemas mais complicados. Seu objetivo, quase sempre incompreendido, não é o de fazer sensacionalismo, de desanimar as pessoas, de alarmar a sociedade ou o de alimentar controvérsias.

É o de estabelecer (ou restabelecer quando existiu e foi suprimida) a verdade. É, através do conflito, servir de instrumento de paz. Sua tarefa assenta-se sobre um triplo pilar: informar, formar e prestar serviços à comunidade. Uma das recomendações feitas aos comunicadores, quando ainda nos bancos escolares, é a de que eles não se envolvam emocionalmente com o que estão noticiando. E muito menos com os personagens da notícia. Recomenda-se que mantenham a isenção, a neutralidade, a postura de um árbitro.

Discordo disso e por uma razão muito simples. O cardeal salvadorenho Dom Oscar Arnulfo Romero, assassinado em 1980 quando rezava missa na capela de um hospital de San Salvador, alertou: "O maior perigo diante de tanta violência no mundo atual, é que nos façamos insensíveis".

É essa perda de sensibilidade que procuro, a todo o custo, evitar. Ela implica em desumanização, em robotização, em morte da emoção. Entendo que o jornalista --- como ademais qualquer profissional, seja de que área for --- deve pôr paixão naquilo que faz.

Claro que esse desfile cotidiano de desgraças e morbidez, noticiado ou comentado dia após dia, mês após mês, ano após ano, cobra um preço na maioria das vezes excessivamente alto de quem se disponha a se identificar com as vítimas, se apiedar do sofrimento alheio, se revoltar contra os tiranos, os corruptos e os violentos e tentar fazer alguma coisa, qualquer coisa, para evitar a repetição das desgraças. Ou, quando isto não for possível, de remediar os estragos feitos.

Pouco ou nada, contudo, podemos fazer, a não ser exercer nosso ofício com honestidade, com entusiasmo e com dedicação. O poder de que dispomos é relativo. E muitos de nós o exercemos com arrogância e em proveito próprio. Meu esforço diário não é o de fugir da dor provocada na alma pelos episódios dramáticos narrados. E muito menos o de atenuar os efeitos psicológicos que eventualmente possam me causar (e que de fato causam).

É o de sentir-me vivo, capaz de reagir contra desgraças e misérias, como um homem na verdadeira acepção do termo. Para esse fim tenho, como única "arma", esse instrumento ao mesmo tempo poderoso e frágil, chamado "palavra". Estou consciente dos riscos que sua má utilização impõe.

Foi-se o tempo em que utilizava esse recurso comunicativo para fazer frases de efeito e tapear os basbaques, como ainda hoje é muito comum entre boa parte dos articulistas, cronistas e comentaristas, que lidam com opinião. A fase da "pirotecnia" acabou.

Hoje, meu empenho é o de tornar meu texto preciso, dosado, equilibrado, com bom-senso e verdadeiro. E, sobretudo, agudo, penetrante, perfurante e humano. Pragmático, mas sem deixar de ser sensível. Emotivo, sem resvalar para o pieguismo.

Quero que aquilo que escrevo não passe apenas pelo intelecto, como uma mariposa, uma borboleta, um beija-flor, simplesmente de passagem. Empenho-me em expressar-me com tamanha sinceridade e inteireza, que o que escreva penetre fundo no coração, na alma, na emoção, na sensibilidade do leitor. A responsabilidade, nesse caso, é muito maior. Com essa postura, tanto posso fazer o bem, prestar conforto e consolar os que necessitem, quanto levar desespero, desgosto e rancor.

Por isso, busco manter sempre presente a pertinente advertência de Saint-Exupéry: "A Palavra pode ser a ponte de união entre as pessoas ou uma fonte de mal-entendidos". Nos tempos presentes, tem sido muito mais a segunda do que a primeira. Portanto, para que seja fator que una os indivíduos e nunca os divida e lance uns contra os outros, é necessário que o texto seja um primor de clareza. Que conte com poder de convencimento acima da média. Que seja ponte que una um coração com outros. Um, dez, vinte, cem, mil, cinqüenta mil, um milhão, não importa. Mas que aproxime pessoas.

Daí não poder e nem dever ficar insensibilizado, frio, neutro face aos acontecimentos, com todos os riscos que esse envolvimento comporte. Uma das orações mais humanas e ao mesmo tempo mais humildes que já li ou ouvi é a de São Francisco de Assis que começa: "Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz..." Procuro fazer dessas palavras mais do que mera prece recitada: um lema de vida...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk


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