quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sobre a construção de sertões pessoais


* Por Renato Contente


Ao ouvir Vermelhas nuvens (2012), segundo álbum do pernambucano Hugo Linns, os diferentes sertões que podem nos habitar se excitam de maneira curiosa. De início, eles já surgem vigorosos e trazem à tona as pequenas referências de Sertão que guardamos, não raro, em cantos meio perdidos da memória: uma viagem de infância, um documentário visto na tevê, um dia de festa num mercado público.

Algo no disco também insinua que os sertões suscitados pela viola dinâmica de Linns têm mais a ver com um significado vasto da palavra (algo como o utilizado por Guimarães Rosa, para quem o Sertão é dentro da gente) do que o de uma geografia física propriamente dita. O instrumento é apresentado pelo artista através de nuances renovadas e provocativas. Disseca o Brasil de dentro pra fora, do interior para o litoral, e também um pouco da gente, num movimento semelhante.

Linns é um dos nomes da cena contemporânea que se propõem a modernizar a viola dinâmica (ou nordestina, como também é conhecida) através da música instrumental. Sem palavras ou canto, o pernambucano rompe a tradição do instrumento de servir essencialmente como acompanhamento dos versos de cantadores para experimentar suas potencialidades distintas.

Em comparação ao início de seu projeto solo como violeiro – registrado no álbum Fita branca (2009) –, o pernambucano traz em Vermelhas nuvens uma sonoridade mais elaborada, consistente. Como o próprio artista apontou, parte disso se deveu à textura musical que imprimiu à obra com o auxílio de pedais e slides (tubo oco de metal que se acopla ao instrumento).

Com formação no Conservatório Pernambucano de Música e na UFPE, Hugo tem como violeiro-referência o serratalhadense Adelmo Arcoverde, com quem tocou por três anos e aprendeu a criar sertões. Os doze temas que constituem seu segundo álbum espelham essa trajetória moldada por emboladas, baiões, cocos e maracatus, mas inovam ao apresentar com sutileza elementos dissonantes do universo roqueiro, com influências de The Doors a Radiohead.

O disco sinaliza, assim, o surgimento de um novo e surpreendente sertão no mapa da música feita em Pernambuco. De asfalto, terra batida ou em outro aspecto geográfico (físico ou emocional), algo é certo: o tanto que existe de Sertão em cada um de nós fica melhor delineado depois de ouvir Hugo Linns.


* Jornalista

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