sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O que é Educação?

* Por João Luís de Almeida Machado


Estamos tão imbuídos em nosso trabalho que na maior parte do tempo nem ao menos nos preocupamos em pensar e repensar o nosso ramo de atuação. Isso acontece em todas as áreas de atuação da humanidade, não apenas na educação. O que surpreende em relação à educação é que, a princípio, ela deveria estimular, promover e trabalhar a todo o momento o exercício da reflexão, da análise e do pensamento. Inclusive quanto a sua própria existência, funcionamento, ferramentas e estrutura operacional.

Como bem sabemos, consumidos pelas tarefas do cotidiano, a tendência é que achemos desnecessário pensar sobre “o que é a educação”. Nesse sentido o texto “Sobre o óbvio”, do saudoso Darcy Ribeiro, intelectual de grandes contribuições para a cultura brasileira, destaca a dificuldade que temos de nos prostrar de olhos bem abertos diante da realidade mais imediata que nos acomoda...

Por isso mesmo abro esse editorial trazendo a tona essa premente reflexão... Afinal de contas, o que é educação?

Para muitas pessoas a palavra educação refere-se ao trabalho que se desenvolve no contexto das unidades educacionais que conhecemos mais popularmente como escolas. Desenvolve-se de forma organizada, em ambientes herméticos, que pouco ou nada se modificaram ao longo dos tempos. Utiliza uma dinâmica simplificada a partir de alguns elementos principais, a saber: aula expositiva, quadro negro (ou lousa), giz, livros didáticos, cadernos, lápis, borracha, canetas, réguas,...

Ainda nos conformes mais básicos e rudimentares percebidos pela maioria esmagadora da população brasileira (e provavelmente mundial também), o objetivo da educação pode ser sintetizado na capacitação de crianças e jovens em conhecimentos fundamentais para a sua sobrevivência e inserção nos contextos em que vivem, como a aprendizagem dos cálculos matemáticos, da linguagem dominante no país (escrita, leitura e fala) e, eventualmente, de alguns outros “conteúdos”, não tão essenciais, mas que podem fazer pequenas diferenças para os estudantes que melhor se apropriarem dos mesmos, como as ciências naturais, a história, a geografia ou as línguas estrangeiras.

A escola tradicional reproduz modelos, não estimula a participação dos estudantes e da comunidade, define o professor como o centro das atividades e propostas, firma previamente os conteúdos a serem ensinados e despreza o conhecimento de mundo dos educandos.

A aprendizagem de conteúdos suplementares como a filosofia, as artes ou mesmo a educação física são considerados luxos ou supérfluos. Itens que se não são desnecessários, pouco ou nada acrescentam as chances e possibilidades dos educandos em sua inserção na sociedade e no mercado...

Sintetizando, as pessoas imaginam a educação de forma restrita, imaginando-a como o processo ensino-aprendizagem em sua roupagem mais clássica e tradicional, mais convencional e arcaica... Será que educação se restringe apenas a isso? E os professores e educadores, concordam com essa compreensão simplista de seu universo de atuação? Ou pensam a educação de outra forma, mais complexa, provocante e transformadora?

Paulo Freire, o educador mais conceituado e respeitado de nosso país dizia que a escola deveria ensinar os alunos a “ler o mundo”. Imaginava que para isso seria necessário respeitar o contexto cultural e familiar dos estudantes, dando a eles a oportunidade de participar do processo de ensino-aprendizagem, tendo voz ativa e vislumbrando realidades de ensino nos conteúdos trabalhados que tivessem relação direta com o mundo em que estavam inseridos.

Suas afirmações, traduzidas de forma simplificada no parágrafo anterior (são muito mais ricas, complexas e valiosas – merecem a atenção e o empenho de estudiosos do Brasil e de vários países, como Michael Apple, dos Estados Unidos – e deveriam ser leitura obrigatória nos cursos de graduação das licenciaturas), tem como propósito demonstrar que a escola tem uma responsabilidade muito maior do que aquela que se imagina...

Escola que não educa para a reflexão, a análise, a crítica e a capacidade de participação ativa no contexto social não cumpre o que dela se espera. Nesse sentido é de fundamental importância o apoio das artes, das ciências, da cultura e da filosofia.

Ao propor a “leitura do mundo”, por exemplo, Freire está nos instando a compreender não apenas as letras e os números quanto aos significados mais óbvios e objetivos que esses signos encerram... O que o educador pernambucano queria era nos levar a perceber além dessa simbologia, buscando compreender politicamente o mundo em que vivemos e, mais do que isso, atuar nos contextos em que estamos vivendo... Deixaríamos dessa forma de ser apenas espectadores e nos tornaríamos protagonistas da história de nossas vidas e de nosso país... Seria apenas um sonho?

Em suas afirmações o notório educador, como também foi ressaltado anteriormente, também destacou a premência do respeito quanto as bases e origens culturais, sociais e familiares dos educandos. Não estava fazendo afirmações vãs, sem sentido e objetividade. As escolas e a educação, num sentido mais amplo, dentro de suas prerrogativas e estruturas funcionais tradicionais praticamente desprezam os conhecimentos e saberes provenientes dos estudantes, condenando-os a participar de forma passiva, como meros receptáculos de informações previamente selecionadas (Por quem? Para quê?)... Depois ficamos a nos questionar os motivos que levam os estudantes a perder a paciência nas salas de aula e a demonstrar isso com atos de indisciplina...

Se a educação não respeita e valoriza os estudantes, dando a eles o papel de protagonistas (juntamente com os educadores) no processo de construção de seu próprio conhecimento, rumo a uma sonhada e necessária autonomia que lhes permita atuar de forma consciente e transformadora nas realidades em que vivem, como eles poderiam simplesmente se conformar e continuar ali sentados, pasmos, a observar as peripécias e malabarismos de seus mestres?

A escola que é manipulada pela sociedade e por suas diretrizes ideológicas dominantes e manipuladora dos movimentos dos educandos a partir dos saberes nela reproduzidos que se baseiam nas orientações do modo de produção vigente já era assim preconizada e entendida por Paulo Freire.

E que mestres são esses que se conformam com o trabalho repetitivo e maçante que os condena a anualmente reproduzir conteúdos, idéias, propostas e realizações que não foram nem ao menos pensadas por eles e adequadas ao contexto em que vivem? É ainda possível desprezar o fato de que a realidade do Acre não é a mesma do Rio de Janeiro? Que o que acontece em São Paulo pode ter pouca ou nenhuma significância para quem vive em uma tribo indígena do interior de Tocantins ou do Pará?

Educação é vocábulo de ampla repercussão e que não pode ser entendido a partir de uma definição simplificada. A busca pelo “Santo Graal” contido numa explicação única que pudesse clarear a compreensão geral do fenômeno educacional inclusive contraria a própria dinâmica científica e filosófica que há tanto tempo discute o tema.

Há diferentes concepções de educação. Elas estão sendo discutidas aqui e em diferentes países a partir de estudos profundos realizados por educadores, sociólogos, historiadores, economistas e tantos outros interessados. O que se sabe, de antemão, é que a educação de alto nível pode representar progresso, melhor qualidade de vida, estabilidade social, enriquecimento de uma nação e que, a ausência ou desqualificação da mesma leva, por outro lado ao pior dos mundos, onde a miséria prolifera juntamente com as doenças, a estagnação econômica, os preconceitos, a corrupção,...

Se pudesse reduzir essa reflexão a algumas poucas palavras em que apresentasse minha concepção de educação diria que o mundo só pode pensar em ser mais justo, digno, fraterno e próspero se todos os países se empenharem em tornar a educação um real, efetivo e verdadeiro instrumento de emancipação individual, onde todos realmente aprendam a ler o mundo, se posicionar, participar de forma ativa, sem preconceitos, com inclusão e, acima de tudo, com ética e dignidade.

Educação no mundo em que vivemos, pensada de forma concreta, tem que usar os mecanismos e ferramentas provenientes da ciência e do progresso humano; deve ser reflexiva, analítica e pensar o mundo e seus próprios processos com o apoio da filosofia e da história; tem que se assumir como instituição politizada, atuante e engajada e abandonar a falsa neutralidade que acomoda fraquezas e submissão; e, para complementar, deve aliar-se (nunca de forma incondicional, ou seja, tendo sempre o necessário espaço para compreender, criticar e sugerir mudanças em seus pares) as artes, as mídias e a cultura em geral para mostrar-se mais atualizada, preparada e fortalecida diante dos dilemas que se colocam no mundo em que vivemos...

* Doutor em Educação pela PUC-SP; mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); professor universitário e pesquisador; autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
 


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