quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Urinoterapia


* Por Marcelo Sguassábia


Pode ir tirando essa cara de nojo de cima do meu texto: não tenho culpa desse negócio existir e ser o assunto de hoje. Queixe-se com os egípcios, os chineses e os indianos, que mantêm o hábito vivo há milênios e não veem a hora da bexiga encher, abrir a torneirinha, servir uma boa dose com bastante espuma e mandar pra dentro - não sem antes derramar um pouquinho pro santo.

A ingestão do próprio xixi com fins medicinais, para curar doenças e fortalecer o organismo, é mais comum do que se pensa. E não é só lá no Oriente, não. Pode ser aí mesmo, nos domínios insuspeitos do seu vizinho.

A primeira urina, aquela da manhã, bem amarelada, é tida como a melhor. Suculenta e caudalosa, é riquíssima em melatonina e em uma série de outros hormônios importantes. Curtida na cama, no tonel da barriga, apresenta substâncias benéficas em alta concentração.

Alergias, doenças autoimunes, infecções, queimaduras e até câncer: nada escapa ao imenso leque curador desse dejeto nosso de cada dia. A popstar Madonna assegura que urinar nos pés é uma bênção contra frieiras, micoses, pé-de-atleta e moléstias congêneres, jurando que não há fungo que resista a um jato bem dirigido.

Entusiastas garantem que ela atua como hidratante, na falta de água potável. Nesse caso, o ciclo acaba tornando-se autossustentável, ou seja, urina-se, bebe-se a dita cuja para depois uriná-la de novo, e assim por diante. Curioso e econômico!

Muitos preferem deliciar-se com a iguaria em pequenos golinhos ao longo do dia, deixando um cálice ou copo sempre à mão, na mesa de trabalho, para ir sorvendo aos poucos. Já outros dizem que, geladinha, não há coisa melhor. Especialmente se acompanhada de um pratinho de tremoço ou de castanha de caju, enquanto se tricota ou se acompanha UFC pela televisão.

A suposta ação antisséptica e bactericida da urina traz, em alguns casos, situações constrangedoras. Como a de uma entusiasta dona de casa que, não contente com frascos de urina em seu armarinho de remédios, levou o mijo também para a cozinha em substituição ao álcool, à água sanitária e ao Veja Multiuso. A coisa terminou em divórcio após um ataque de nervos do marido, ao notar insuportavelmente enfedecidos os pratos, talheres e copos da casa.

Apresenta a urina notável eficácia cosmética, rejuvenescendo a pele e dando brilho e sedosidade aos cabelos. Uma tal Soninha de Xerém desenvolveu estranha neurose a partir de seu hábito de pincelar urina ao longo da comprida cabeleira. Chegavam a dezesseis demãos por dia. Após cada uma delas, Soninha aguardava vinte minutos (para as substâncias agirem, segundo ela) e em seguida aplicava secador. Depois de um pequeno descanso a operação se repetia. Testemunhas dão conta que seu cabelo chegava a ofuscar os olhos de tanto brilho, porém ganhavam uma desagradável textura de laquê, craquelando-se facilmente ao toque.

Não são poucos os relatos de dependência e até mesmo ameaças com armas de fogo de urinoviciados a parentes e vizinhos, exigindo micção imediata dos mesmos para poderem dar vazão à chamada urofissura - patologia onde a demanda por quantidades cavalares de urina obriga o indivíduo a consumir baldes e mais baldes de excreção alheia.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).



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