sábado, 20 de agosto de 2016

Cárcere



* Por Alberto Cohen


Os passos eram os mesmos. Os espaços também. O ir e vir diário não era mais do que buscar o já achado, um fazer de conta que algo ainda poderia surpreendê-lo: uma novidade, uma emoção pequena que fosse.

A esperança há muito o abandonara, apenas a representação íntima e teatral de esperar que, de repente, surgisse um inusitado que lhe mudasse o desesperador corriqueiro de percorrer os conhecidos metros quadrados.

Sabia que ele era seu próprio cárcere, que um mundo imenso estava lá fora, mas onde a coragem de descer e tentar integrar-se novamente na multidão, na vida? Quando muito ia à sacada do apartamento e respirava como perdedor.

Sentia-se como alguém que embarcasse num trem errado e não reconhecesse nenhum rosto, nenhuma estação para desembarcar.

O pior, contudo, era a aceitação passiva do imenso vazio que com ele habitava. Nada por fazer além de comer, dormir e lembrar...

Os desejos se foram e a ambição resumia-se ao contracheque no final do mês. O futuro, ora o futuro: pagamento de contas, e encomendas à farmácia e ao supermercado. Nada de sonhos, nada de imprevistos.

Sentou-se na velha poltrona e fez que lia uma revista muito antiga.

O passado era agora!


* Poeta paraense.

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