Aniversário da impunidade em São Paulo
* Por Urariano Mota
Nesse último dia 12, fez cinco anos a matança de maio na capital paulista. Para lembrá-la, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo foi lançado o livro "Do Luto à Luta – Mães de Maio". É um documento necessário, pela impunidade até hoje. No ano de 2006, em apenas cinco dias, foram executadas cerca de 600 pessoas, a maioria jovem, negra e pobre. E para maior culpa da própria morte, todos eram da periferia da grande cidade.
E por que tal fúria justiceira? Dizia-se na época que era uma resposta contra os ataques do PCC, a organização criminosa dos presídios. Mas se dizia mais também, à revelia dos jornais paulistas. Lembro que na ocasião escrevi para o site La Insignia o texto “Pistolas de São Paulo”. No calor daquela hora, dava pra se notar que nas fotos do terror, nas primeiras páginas dos jornais, não aparecia um só morto. De um só jovem morto, queremos dizer, pois todos executados da periferia eram tratados como bandidos. Mas do outro lado, o do bem, das famílias dos soldados da PM, havia fotos da dor.
Uma pesquisa de O Globo daqueles dias informava que “a reação da polícia aos ataques estava sendo adequada” para 80% das pessoas. Na gênese de tal justiça, nas primeiras páginas, tudo havia começado pelos líderes do PCC, que não teriam gostado de sua transferência para cárceres isolados. Então os criminosos presos deram ordens, e ônibus foram queimados, policiais mortos, agências de bancos, o maior crime, atacadas a tiros e bombas. São Paulo parou, como raras vezes na sua história, a maior cidade da América Latina parou. Toda a cidade parecia estar dominada por bandidos. O que exigiu uma resposta urgente do poder público, sem dúvida.
Que veio, com o fogo pesado da vingança. E aqui, mais uma vez, a imprensa brasileira mostrou como se usam as palavras de costas para a realidade das praças e das ruas. Os policiais mortos pelos bandidos eram chamados de “vítimas”. Era justo, eram vítimas. No entanto, os que não eram da polícia recebiam o nome de “suspeitos”. Nos primeiros dias, em números oficiais, 120 suspeitos foram executados à bala. Vejam a que ponto chegamos na hora do pânico, do terror. Admitia-se, com a maior das tranquilidades, que se matassem suspeitos! Era justo, admitia-se com uma lógica que primava pela bárbara concatenação, nessa ordem: 1 - O policial tinha que se precaver. 2- Ele sabia onde estavam os suspeitos. 3- Não havia tempo para desenvolvidas e pacientes investigações. 4 - Fogo!
Mas como chegava a polícia ao conhecimento do suspeito? Quem eram os suspeitos mortos?. Resposta da polícia para ambas as perguntas: – “Nada podemos dizer para não atrapalhar as investigações”. Isso seria risível, cômico, se não se traduzisse em sangue. Os estúpidos podiam matar, e matavam, sob aplausos e aprovações de uma população aterrorizada. Era natural. Se os suspeitos não eram os aterrorizados do bem, se os suspeitos não eram os nossos filhos, que mal havia se entre dez bandidos uns cinco fossem mortos por hipótese? Esse encadeado fazia parte de uma lógica ainda mais infernal, que era, e abram bem os olhos e os ouvidos: os mortos, se não eram bandidos, mais cedo ou mais tarde iriam ser. Era um trabalho profilático, de saudável e científica prevenção. E sabem por que iriam ser da turma do mal, com vírus cortado em pleno desenvolvimento? – Eram jovens e negros, os suspeitos. Eram moradores dos subúrbios periféricos, os mortos.
Isso tudo foi há cinco anos. Ou foi nesta manhã? A novidade, nestes tempos de trégua provisória, é que os jornais cujas manchetes anunciavam a justiça contra os jovens bandidos pretos pobres periféricos, hoje põem em manchete: “Estudo mostra que corrupção policial foi uma das causas de ataques de 2006 em São Paulo”.
E por fim, cinco anos depois de dor continuada:
“Das 496 mortes por armas de fogo ocorridas entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, há indícios consistentes de execuções praticadas por policiais em 122 casos, segundo o relatório. Em grande parte dessas ocorrências testemunhas descreveram procedimentos semelhantes praticados pelos autores do crime. O primeiro passo era o toque de recolher. Em seguida, os alvos eram escolhidos em abordagens policiais. O crime era então praticado por homens encapuzados. Logo em seguida chegava a viatura, removendo o corpo do local e danificando provas”.
A justiça ainda não chegou para essas mães. Mas sua revolta gerou frutos menos estranhos que os cadáveres de maio de 2006.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
* Por Urariano Mota
Nesse último dia 12, fez cinco anos a matança de maio na capital paulista. Para lembrá-la, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo foi lançado o livro "Do Luto à Luta – Mães de Maio". É um documento necessário, pela impunidade até hoje. No ano de 2006, em apenas cinco dias, foram executadas cerca de 600 pessoas, a maioria jovem, negra e pobre. E para maior culpa da própria morte, todos eram da periferia da grande cidade.
E por que tal fúria justiceira? Dizia-se na época que era uma resposta contra os ataques do PCC, a organização criminosa dos presídios. Mas se dizia mais também, à revelia dos jornais paulistas. Lembro que na ocasião escrevi para o site La Insignia o texto “Pistolas de São Paulo”. No calor daquela hora, dava pra se notar que nas fotos do terror, nas primeiras páginas dos jornais, não aparecia um só morto. De um só jovem morto, queremos dizer, pois todos executados da periferia eram tratados como bandidos. Mas do outro lado, o do bem, das famílias dos soldados da PM, havia fotos da dor.
Uma pesquisa de O Globo daqueles dias informava que “a reação da polícia aos ataques estava sendo adequada” para 80% das pessoas. Na gênese de tal justiça, nas primeiras páginas, tudo havia começado pelos líderes do PCC, que não teriam gostado de sua transferência para cárceres isolados. Então os criminosos presos deram ordens, e ônibus foram queimados, policiais mortos, agências de bancos, o maior crime, atacadas a tiros e bombas. São Paulo parou, como raras vezes na sua história, a maior cidade da América Latina parou. Toda a cidade parecia estar dominada por bandidos. O que exigiu uma resposta urgente do poder público, sem dúvida.
Que veio, com o fogo pesado da vingança. E aqui, mais uma vez, a imprensa brasileira mostrou como se usam as palavras de costas para a realidade das praças e das ruas. Os policiais mortos pelos bandidos eram chamados de “vítimas”. Era justo, eram vítimas. No entanto, os que não eram da polícia recebiam o nome de “suspeitos”. Nos primeiros dias, em números oficiais, 120 suspeitos foram executados à bala. Vejam a que ponto chegamos na hora do pânico, do terror. Admitia-se, com a maior das tranquilidades, que se matassem suspeitos! Era justo, admitia-se com uma lógica que primava pela bárbara concatenação, nessa ordem: 1 - O policial tinha que se precaver. 2- Ele sabia onde estavam os suspeitos. 3- Não havia tempo para desenvolvidas e pacientes investigações. 4 - Fogo!
Mas como chegava a polícia ao conhecimento do suspeito? Quem eram os suspeitos mortos?. Resposta da polícia para ambas as perguntas: – “Nada podemos dizer para não atrapalhar as investigações”. Isso seria risível, cômico, se não se traduzisse em sangue. Os estúpidos podiam matar, e matavam, sob aplausos e aprovações de uma população aterrorizada. Era natural. Se os suspeitos não eram os aterrorizados do bem, se os suspeitos não eram os nossos filhos, que mal havia se entre dez bandidos uns cinco fossem mortos por hipótese? Esse encadeado fazia parte de uma lógica ainda mais infernal, que era, e abram bem os olhos e os ouvidos: os mortos, se não eram bandidos, mais cedo ou mais tarde iriam ser. Era um trabalho profilático, de saudável e científica prevenção. E sabem por que iriam ser da turma do mal, com vírus cortado em pleno desenvolvimento? – Eram jovens e negros, os suspeitos. Eram moradores dos subúrbios periféricos, os mortos.
Isso tudo foi há cinco anos. Ou foi nesta manhã? A novidade, nestes tempos de trégua provisória, é que os jornais cujas manchetes anunciavam a justiça contra os jovens bandidos pretos pobres periféricos, hoje põem em manchete: “Estudo mostra que corrupção policial foi uma das causas de ataques de 2006 em São Paulo”.
E por fim, cinco anos depois de dor continuada:
“Das 496 mortes por armas de fogo ocorridas entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, há indícios consistentes de execuções praticadas por policiais em 122 casos, segundo o relatório. Em grande parte dessas ocorrências testemunhas descreveram procedimentos semelhantes praticados pelos autores do crime. O primeiro passo era o toque de recolher. Em seguida, os alvos eram escolhidos em abordagens policiais. O crime era então praticado por homens encapuzados. Logo em seguida chegava a viatura, removendo o corpo do local e danificando provas”.
A justiça ainda não chegou para essas mães. Mas sua revolta gerou frutos menos estranhos que os cadáveres de maio de 2006.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
É muito bom ler a história vista de outro ângulo. A realidade escrita parece fazer de alguma forma, mesmo cinco anos depois, alguma justiça.
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