quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011




Mau feito um pica-pau

* Por Fernando Yanmar Narciso

Hitchcock costumava dizer que um filme era tão bom quanto o fosse seu vilão. Essa teoria continua válida até os dias de hoje em todos os ramos da dramaturgia. Afinal, o que seria do Jaspion se não existisse o MacGaren? Ou do Batman se não houvesse uma Gotham City inteira abarrotada de bandidos doentes mentais, maquiados, mascarados ou geneticamente modificados? Robert Langdon seria só mais um professor de uma matéria inexistente em Harvard se nunca tivesse cruzado o caminho de Mal’Akh, Silas e o assassino inexpugnável e invencível de Anjos e Demônios.
O sempre genial Shakespeare – se é que ele realmente existiu – inovou quando fez de seu dissimulado e ganancioso anti-herói Ricardo III o centro de todas as atenções. O cara foi capaz de mandar matar a família praticamente toda pra tornar-se rei da Inglaterra, levado por uma suposta profecia. Ok que ele se ferrou bonito no final, mas foi uma trajetória emocionante mesmo assim.
É inegavelmente mais divertido acompanhar os passos tortos de um antagonista que o caminho de retidão e pureza de espírito dos heróis e mocinhos. Hoje os mais novos vibram com as tramóias mil de Maria de Fátima, Marco Aurélio e do Cel. Podowski brasileiro Odete Roitman nas reprises via TV a cabo de Vale Tudo. Eles continuam sendo os arquétipos perfeitos de pessoas corruptas até a medula, capazes de matar o pastor alemão da família e servi-lo assado no Natal. Os autores mais instruídos às vezes vêm com umas tiradas originais para a fórmula. Na versão cinematográfica de O Bem Amado, Guel Arraes sabiamente criou uma disputa entre dois quase-vilões, de um lado o corrupto papa-defuntos Odorico Paraguaçu, do outro o Dr. Vladimir, comunista-anarquista líder do partido de oposição, que nem pensa duas vezes antes de usar as mesmas armas do adversário para jogá-lo no chão. Os dois ficam se engalfinhando durante toda a fita e, no final, “Seu Vlad” ainda dança sobre o túmulo de Odorico.
Sabemos que poucos deles não chegarão ilesos ao fim de suas jornadas, por isso torcer pelos antagonistas é um prazer culposo. Pelo menos em teoria, o ser-humano é inclinado para o bem. Mas a tentação de fazer sacanagem é sempre maior que o desejo de estender a mão ao próximo. Já teve vontade de sentar o extintor de incêndio nos vidros do carro que te fechou no estacionamento? Ou de parar na vaga de deficientes do shopping? Ou de pagar uma feira colossal com moedas de 5 centavos só pra ver a moça do caixa se desesperar? Quem sabe então, sentiu um impulso incontrolável de roubar a sacolinha de doações da igreja? Vai dizer que nunca pensou em fazer nada disso...
Torcer pelo malandro faz parte da cultura brasileira. Ao contrário da vida real, filme nacional, pra fazer sucesso, precisa ter um bandido ou malandro “vítima da sociedade”, que faz tudo errado durante toda a película pra aprender- ou não- uma valiosa lição no final. Esse estereótipo começou a mudar com o surgimento de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, mas só começou. Por outro lado, os americanos são imparciais sobre o assunto. Eles se amarram no joguinho de polícia-e-ladrão e na simplificação de tudo. Para eles, herói é herói, vilão é vilão, John Wayne é John Wayne e Lex Luthor é Lex Luthor, e você tem obrigação de torcer pelo herói, mesmo se for um Jedi de roupão contra o delicioso Darth Vader.
A idéia de super-heróis é típica do conservadorismo americano: uma analogia do embate entre republicanos e democratas. Eles têm medo dos liberais e revolucionários, pois o país não chegaria a ser o que é hoje se não tivessem tentado manter a estrutura do país quase igual nos últimos 700 anos. Aí, aparece um Coringa com um míssil de gás hilariante ou um Luthor erguendo um continente feito de kryptonita, e lá vão os heróis combater o mal e trazer o tédio de volta...
Mas, na minha humilde opinião, os vilões são os verdadeiros heróis do mundo, por terem coragem mudar as coisas. A vida é tão igual, as situações se repetem tanto, que quando aparecem notícias de que um carro-bomba pipocou no Afeganistão ou de que o maluquinho Ahmadinejad provocou os Estados Unidos mais uma vez, quase nos sentimos aliviados pela quebra da rotina.

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

Um comentário:

  1. A personalidade do vilão é bem mais interessante, desde que não sejamos nós as suas vítimas.

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