sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011




A ciência da BBC

* Por Urariano Mota

Para quem anda triste ou chateado da vida, recomendo a leitura da página de Ciência e Saúde da BBC. Entendam. Não é bem que nesse cantinho da web o leitor encontrará algo substancioso, do ponto de vista intelectual ou da esperança. Mas encontrará sempre o que a BBC entende de ciência e por ciência. Delicious. Superficial, muitas vezes enganosa, mas sempre good. Jamais alguém poderia encontrar ali – santa ignorância – a notícia da Teoria da Relatividade. Mas uma bomba, ou a bomba, sim. No mínimo, a foto de um cogumelo maravilhoso, com a legenda E = MC2.

Há sempre um critério genial na escolha, na edição e, gênio dos gênios, nos títulos e tratamento da ciência. Os jornalistas ingleses – fonte original das várias BBCs no mundo – são muito rigorosos e competentes. Não erram uma. Se é pra avacalhar, we are os caras. Dá pra perceber que na alta direção do site há uma pesquisa de casos bizarros ou clamorosos, de vulgaridade. Shit, isto é notícia. Para quem pensa que minto, acesse por favor http://www.bbc.co.uk/portuguese/ . Nesse endereço, houve uma vez uma edição primorosa. Nela se encontravam informações impagáveis – ou, a depender do humor, aterrorizantes. Aos fatos.

“Cientistas afirmam ter criado espermatozóides em laboratório

Uma equipe de cientistas de Newcastle, na Inglaterra, anunciou ter criado espermatozóides em laboratório pela primeira vez no mundo. Os pesquisadores acreditam que seu trabalho poderia ajudar homens com problemas de fertilidade”.

Ora, aquilo que os adolescentes de todo o mundo produziam escondidos agora vem em laboratório. Na versão espanhola do site, o título foi ainda mais cru e direto, Crean ‘esperma de laboratorio’. E perguntavam, em pesquisa: Homens obsoletos? As respostas a tal ciência foram um primor, de ciência:

“- Seria o cúmulo que isso se convertesse em outro tipo de exclusão (das mulheres para os homens).

- Me parece que com este tipo de investigação se abrem portas muito perigosas. Quanto tempo passará até que alguém fecunde um óvulo com estes espermatozóides de laboratório e nasça um ser semi-humano? E depois?”

E depois? Antes dos monstros inimagináveis a pular dos tubos de laboratório, terríveis, piores que a imaginação dos jovens, lemos mais uma:

“Atletas deveriam beber cerveja todo dia, diz estudo

Além de matar a sede e relaxar, a cerveja ajuda na recuperação após a prática esportiva. A afirmação é do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, que apresentou um estudo defendendo o consumo moderado da cerveja para os atletas como fonte de hidratação diária.

Segundo o documento, os componentes da cerveja ajudam na recuperação do metabolismo hormonal e imunológico depois da prática desportiva de alto rendimento e também favorece a prevenção de dores musculares.”

Os dois Ronaldos brasileiros, mais Adriano e os times do Flamengo e Corínthians reunidos sabiam disso bem antes. Não com a frequência de Garrincha, que traduzia “todo dia” para “o dia todo”. Mas podíamos pelo menos ser poupados de que a cerveja previne dores musculares. De quase sã experiência sabemos que ela pode anestesiar todas as dores. Basta entorná-la à maneira de Fausto Wolff de saudosa memória.

Mas onde a BBC se supera é nas notícias sobre chimpanzés. Eles, quero dizer, os humanos da redação, destacam coisas como:

“Chimpanzés reconhecem membros do grupo pelo traseiro”

Ou “Chimpanzés fêmeas copulam em silêncio 'para evitar competição'”

Ou “Chimpanzé consegue planejar futuro” (porque juntam pedras para atirar em nossas cabeças, segundo um estudo)

E mais esta pérola que correu todo o mundo:

“Chimpanzés superam universitários em teste de memória

Uma nova pesquisa da Universidade de Kyoto, no Japão, demonstrou que chimpanzés têm uma memória fotográfica superior à dos humanos.

Chimpanzés mais jovens foram melhores em testes de memória do que estudantes universitários, segundo o estudo publicado na revista Current Biology.

‘Chimpanzés jovens têm memória melhor do que humanos adultos. Ainda estamos subestimando a capacidade intelectual dos chimpanzés, nossos vizinhos de evolução’, disse o professor Matsuzawa à BBC.”

É claro, os editores da BBC nem desconfiam que a memória humana venha a ser um pouco mais complexa que o recordar uma sucessão numérica em uma tela. Que ela, a memória, alcança a história, não exatamente a historinha que jornalistas contam todos os dias, mas uma História que vai além e aquém de um teste em Tóquio.

Mas não se pode falar sério, porque a manchete de outro dia em Ciência apontava:

“Cafeína reverte perda de memória em ratos com Alzheimer

Ratos criados em laboratório e programados para desenvolver sintomas do Mal de Alzheimer na velhice tiveram problemas de memória revertidos depois de ingerir 500 mg de cafeína por dia, segundo um estudo do Alzheimer's Disease Research Center da University of South Florida, nos Estados Unidos...

Após dois meses, os ratos foram testados novamente. Os que ingeriram cafeína tiveram desempenho muito melhor nos testes de memória e habilidade cognitiva. Seus resultados foram tão bons quanto os de ratos da mesma idade sem problemas de memória”.

E nas notícias relacionadas à manchete da página: “Provador de café faz seguro da língua por R$ 34 milhões”..

Este colunista jamais fez seguro de qualquer coisa. E muito menos por milhões. Por isso encerro aqui. Para quem escreve, o melhor seguro é segurar a própria língua, pelo silêncio.

• Escritor e jornalista, autor dos livros “Soledad no Recife” e “Os corações futuristas”, entre outros.

Um comentário:

  1. Muito prazer Urariano, e obrigada por nos apresentar essa sua nova faceta, a do bom-humor, algo mal disfarçada em crítica.

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