Organização no texto
O
escritor (como, ademais, qualquer artista ou profissional) precisa
ser organizado, se quiser escrever algo que realmente seja valioso e
o sobreviva. Há um ditado popular que diz: “da desordem das
coisas, vem a desordem das ideias”. E vem mesmo. É necessário
organizar ambos, até para não se perder.
Se,
por exemplo, o escritor não sabe onde estão os meios de consulta
(livros, anotações, artigos etc.) ao seu dispor nas horas de
necessidade, no instante em que lhe bater alguma dúvida (e todos
temos esses momentos de “apagão mental”), não saberá como a
dirimir. Não raro, acaba por desperdiçar uma boa ideia, que iria
enriquecer e valorizar seu texto, só por não conseguir se
organizar.
Ademais,
caso não encontre à mão as ferramentas da sua atividade
(computador, caneta, bloco de papel, agenda) não poderá construir a
obra que tem em mente. E essa organização o escritor deve levar,
sobretudo, para o seu texto.
As
ideias que expõe precisam ser claras, diretas, objetivas, sem muitos
rodeios e nem supérfluos “enfeites. Devem, por exemplo, ter
começo, meio e fim, para serem coerentes e, portanto, inteligíveis.
Várias não têm.
Muitos
talentos são desperdiçados apenas por falta de organização. Esse
deve ser o ponto de partida para os que se sintam vocacionados para a
atividade e pretendam escrever algo que preste. Theodore Adorno
tratou dessa situação no livro “Mínima Moralia”, e constatou:
“O escritor organiza-se no seu texto como em sua casa. Comporta-se
nos seus pensamentos como faz com seus papéis, livros, lápis,
tapetes, que leva de um quarto para o outro, produzindo uma certa
desordem. Para ele, tornam-se peças de mobiliário em que se
acomoda, com gosto ou desprazer. Acaricia-os com delicadeza, serve-se
deles, revira-os, muda-os de lugar, desfá-los”.
Cabe,
aqui, uma observação, válida tanto para a organização das
coisas, quanto das ideias. Muitas vezes o que parece imensa “bagunça”
para uns, é o máximo da ordem para outros. Vou dar um exemplo para
deixar a observação mais clara. Certa ocasião, encomendaram-me um
ensaio sumamente complexo e quem o encomendou queria que o texto
fosse no mesmo estilo que utilizo para escrever minhas crônicas. Ou
seja, que não tivesse nenhum jargão (inteligível, apenas, por meia
dúzia de “iniciados”) e que pudesse ser entendido por qualquer
leigo na matéria.
Pesquisei
durante semanas o tema. Reuni uma quantidade considerável de livros
sobre o assunto, além de artigos de jornais e revistas e de
anotações pessoais feitas em dezenas de agendas que tenho
arquivadas em minha estante, em uma prateleira que lhes é destinada.
Ao lado da bancada em que está o meu computador, há uma grande
escrivaninha, com bastante espaço, posta ali com um fim específico.
Espalhei esse material todo nela, na ordem rigorosa de utilização e
fui almoçar tranqüilo, pensando em como faria a abertura do tal
ensaio.
Nesse
ínterim, a empregada resolveu arrumar o meu gabinete de trabalho.
Qual não foi, porém, a minha surpresa (diria ira e frustração) ao
voltar à lida, pronto para iniciar a redação do texto! A
escrivaninha estava absolutamente vazia! Minto, estava lustrosa (a
empregada havia passado óleo de peroba nela), com um vasinho de
flores no centro, mas sem nenhum livro, recorte de jornal, agenda,
nada. Entrei em pânico! O trabalho de semanas de pesquisa estava
todo perdido e teria que ser reiniciado.
O
pior foi a observação da empregada, em tom de censura, tão logo
nos cruzamos: “Puxa, seu Pedro, seu gabinete estava uma bagunça!
Arrumei tudinho. Guardei todos aqueles livros espalhados nas
prateleiras e os recortes, pus onde o senhor costuma guardar”.
Minha
vontade, naquela hora, era a de deixar de lado todos os princípios
de cortesia e educação e esganar a “secretária do lar”. Ou, no
mínimo, dar-lhe algumas valentes palmadas. Claro que não fiz isso.
Dei-lhe, somente, um sorriso amarelo e pedi-lhe, com a maior
gentileza que minha frustração ainda poderia permitir, para nunca
mais “arrumar” meu gabinete sem antes me consultar.
Muita
coisa que parece bagunçada em meu texto, também não é. Quem lê o
esboço inicial do que escrevo, fica perdido no assunto. Por isso,
não o mostro para ninguém. É que depois do tema ser “fermentado”
por dias no meu cérebro, ao sentar-me junto ao computador, despejo
tudo o que me vem à mente sobre o assunto, aos borbotões. E esse
“copião” original fica vasto, extenso, interminável. Se me
pedem para escrever uma crônica com seis mil toques, por exemplo,
esse “rascunho” sai com 60 mil! Faço isso de propósito: para
não perder uma só ideia. É uma espécie de “brainstorm”.
Posteriormente,
faço o que melhor sei fazer: a edição do texto. É um processo
exaustivo de cortes e acréscimos (mais estes do que aqueles), que me
consome um bom tempo, mas que é a parte que mais aprecio na minha
atividade. Afinal, fui treinado durante uma vida toda, por décadas
a fio, para ser editor (e é o que sou e sempre me considerei).
Ao
cabo desse exercício, todavia, emerge a versão final. O que antes
parecia “bagunça” (como a escrivaninha que a empregada arrumou),
se revela exatamente o contrário. Ou seja, mostra-se extrema (até
um pouco neurótica) organização. E, modéstia a parte, o texto a
ser encaminhado a quem o solicitou (salvo raríssimas exceções)
emerge fluente, coloquial, inteligível (espero que também
inteligente), com empatia e com o número milimetricamente exato de
toques, para cair como uma luva, sem que sobrem ou faltem caracteres,
no espaço que o editor me destinar.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Após estruturar o texto, faço acréscimos e pesquisas, checando os dados, e depois são só cortes.
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