segunda-feira, 24 de julho de 2017

Informação por osmose


* Por Luciane Evans


Dia desses ouvi de dois jovens, ambos com menos de 30 anos, que informação diária se obtém por osmose. "Por isso, não leio jornal", justificou um deles, tendo o outro como cúmplice da afirmação. Na hora, juro que o sangue subiu e deu uma vontade louca de vomitar milhões de palavras e palavrões, ou então gritar: "Porra, a gente se mata todos os dias pensando em formas de lides diferentes, novos assuntos, pautas ousadas e  você vem me falar que não é preciso ler nada disso para estar informado? Vai tomar no cú!". Não me arrisquei, não sou tão louca assim. 

Voltei para casa com o sapo agarrado na garganta e muitas questões. Jornalista é um povo estranho mesmo. É uma gente louca, incoerente, desleixada, cheia de mania, acha que sabe de tudo, adora vender seu peixe e contar seus casos gloriosos.

Mas afinal, quem são eles? Que tribo de gente esquisita é essa, que a caminho da redação, em vez de ouvir no  carro o bom e velho rock'n roll para relaxar, escuta  a voz do colega de rádio dando as últimas notícias? Que povo é esse que degusta o café da manhã saboreando manchetes, títulos, bigodes, lides e infografias? 

Mas que gente louca é essa que é capaz de se mostrar firme ao entrevistar garotos do tráfico ou então meninas da prostituição, mas volta para a redação com os olhos cheios de lágrimas e chora como criança? Que gente maluca é essa que sai no meio do temporal, enquanto estão todos procurando um lugar para se esconder? Que povo incoerente  é esse que reclama do salário e dos chefes, mas quando sai da redação só sabe elogiar a profissão?

E pior: por causa de uma só matéria, esse desvairado  se mata todos os dias, corre contra o tempo, investiga dali, recebe tapa daqui, dá mais de 20 telefonemas em um único dia, ouve gritos de chefes, não tem tempo para almoçar e, muito menos, lanchar, fuma  um maço de cigarros em menos de 24 horas, não dorme, esquece de tomar água, acha que vai enfartar, tem pesadelos, manda emails para toda a sua lista para achar tal personagem, perde aula de pós graduação, cursinho disso e daquilo ...Para, num dia qualquer,  ver sua obra prima sendo usada para embrulhar bananas, peixes, pinturas ...ou ouvir de leitores em potencial que informação se obtém por osmose. 

Com a palavra,  Gabriel García Márquez:

Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte


* Jornalista

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