domingo, 23 de julho de 2017

Uma frota espanhola inteira naufraga no Triângulo das Bermudas



Um dos maiores desastres marítimos do século XVI foi o naufrágio de uma frota espanhola, composta de 26 navios, dos quais 21 foram destroçados e pararam no fundo do mar, ocorrido em 1502, nas traiçoeiras águas da região que ficou, mais tarde, conhecida como “Triângulo da Morte”. Trata-se de uma área que varia, aproximadamente, de 1,1 milhão de quilômetros quadrados, até 3,95 milhões de quilômetros quadrados, no Atlântico Norte. Tal variação deve-se a fatores físicos, químicos, climáticos, geográficos e geofísicos. A região situa-se entre as ilhas Bermudas, Porto Rico, Fort Lauderdale (na Flórida) e as Bahamas.

Sabe-se hoje, com base em estudos e em análise de documentos da época, contendo depoimentos das raras testemunhas que sobreviveram, que a causa do meganaufrágio – que poderia ter sido evitado, caso o comandante da esquadra, Francisco Fernandez de Bobadilla, fosse menos arrogante e desse ouvidos a quem conhecia, melhor do que ele, os perigos dessa misteriosa área – foi um devastador furacão. A prepotência do teimoso homem do mar, membro da nobreza espanhola, ao fim e ao cabo custou, além da perda de 21 navios, abarrotados de tesouros, surrupiados dos nativos do Novo Mundo, a vida de cerca de 800 marinheiros e, sobretudo, a dele também, que não teve como escapar do desastre.

Bem que Cristóvão Colombo, de quem Bobadilla era desafeto, tentou preveni-lo do perigo iminente naqueles mares traiçoeiros, que o navegador genovês conhecia muito bem. Sabe-se que a uns dias os ventos vinham soprando do Oeste das Caraíbas, quando deveriam vir do Leste. Isso era um indicativo bastante seguro de apenas uma coisa: da iminência de um furacão na área. Colombo, que sabia disso, bem que poderia passar ao largo da frota, comandada pela nau “El Dorado”, que tinha como capitão o citado Bobadilla. Se o fizesse, sequer seria censurado. Fosse vingativo, certamente agiria assim. Afinal, dois anos antes, esse mesmo nobre, investido pela corte espanhola da autoridade de juiz, mandara o navegador genovês preso a ferros, no porão de um navio, de regresso à Espanha, ficando ele com todas as glórias e vantagens materiais da descoberta do Novo Mundo.

Mas Colombo era, sobretudo, homem do mar. Como tal, preocupava-se com a vida das centenas de marinheiros, ameaçados pela fúria da natureza, mais do que com qualquer outra coisa. Por isso, teve o cuidado de abordar o “El Dorado” para comunicar sua previsão ao arrogante Bobadilla, que não lhe deu ouvidos e simplesmente zombou de seu aviso. Além disso, apesar do almirante Torres ter mostrado preocupação, o governador aposentado da Ilha Hispaniola (onde hoje localizam-se o Haiti e a República Dominicana) convenceu-o de que tais ventos do Oeste seriam até benéficos. Fariam, conforme disse, com que os navios chegassem mais depressa à Espanha. E Bobadilla acreditou.

Para o leitor ter uma ideia de quão preciosa era a carga transportada pela frota, basta dizer que apenas o “El Dorado” transportava tesouros em ouro e prata avaliados em US$ 2 milhões. Mas havia 25 outros navios, todos abarrotados de riquezas de igual ou até de maior valor. Cristóvão Colombo, que já tivera experiência dramática na área, escapando de uma tragédia por muito pouco, evidentemente tinha razão ao fazer o alerta. Bobadilla, contudo, ignorou seu aviso. E quando a esquadra chegou próxima a Porto Rico, foi colhida por uma tempestade como jamais marinheiro algum daquela frota já tinha visto. Chovia, por exemplo, em sentido horizontal, o que, convenhamos, era bastante raro e estranho. O vento, a uma velocidade incrível, estimada em mais de 300 quilômetros por hora, rasgava velas como se fossem de papel e rompia mastros com incrível facilidade. Os cascos quebraram-se como cascas de ovo, despejando toneladas de ouro no mar. Repentinamente, tudo se acalmou. Só as ondas continuaram agitadas e enormes. Até o sol surgiu, brilhante e quente, como se nada houvesse acontecido. Porém vagalhões gigantescos seguiam rolando em direções opostas, chocando-se estrondosamente umas com as outras, num espetáculo aterrador.

Àquela altura, metade da esquadra já havia desaparecido, provavelmente tragada pelo mar. As caravelas restantes eram atiradas de um lado para outro, como frágeis cascas de nozes. De repente, sem qualquer aviso, o vento voltou mais furioso ainda do que antes e do lado exatamente oposto de onde viera anteriormente. Uma sucessão de raios riscou os céus. Não se ouviam os trovões, contudo. O assobio do furacão os abafava. A chuva caia com tal intensidade, que os pingos de água arrancavam a tinta dos cascos dos barcos. Cabos arrebentados decapitavam pessoas e os marinheiros, aterrorizados, ajoelhavam-se nos navios pedindo clemência aos céus e morriam indefesos, esmagados pelos mastros que ruíam.

O vento era tão forte que arrancava os olhos das órbitas das pessoas, os jogando longe. Os marinheiros estavam nus. Suas roupas haviam sido estraçalhadas e feridas profundas eram feitas na carne. Muitos abriam a boca para gritar e só conseguiam cuspir sangue. Ao final da tormenta, apenas cinco barcos haviam, milagrosamente, escapado do temporal. Vinte e um outros desapareceram sem deixar nenhum vestígio. Inclusive o “El Dorado”, com a sua preciosa mesa de ouro maciço de três mil arráteis.

Esses seriam os primeiros desaparecimentos oficialmente registrados no “Triângulo do Diabo”. E foi um dos poucos desastres marítimos na área em que restaram testemunhas para narrar tudo o que aconteceu. Mas, reitero, essa tragédia poderia ter sido evitada, caso Francisco Bobadilla fosse só um pouco humilde, ou se, na verdade tivesse um mínimo de bom senso, e desse ouvidos aos alertas de Cristóvão Colombo. Ao contrário do desastre que dizimou aquela frota espanhola, em quase um milhar de outros tantos naufrágios ocorridos posteriormente, ninguém sobrou para contar a história e relatar o que aconteceu. E como o que é inexplicável aguça a imaginação, surgiram centenas de lendas envolvendo essa porção do Atlântico, que volta e meia vêm à tona.


Boa leitura!


O Editor.



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