quinta-feira, 27 de julho de 2017

A maldição do suco de laranja (ou será da mola?)


* Por Gustavo do Carmo


Domingo, 25 de junho de 2017. Grande Prêmio do Azerbaijão de Fórmula 1. Circuito de rua da capital Baku. Felipe Massa, da Williams (equipe que deu o tricampeonato a Nelson Piquet há exatamente 30 anos e pela qual morreu Ayrton Senna em 1994), que largara em nono lugar, pula para o sexto logo nas primeiras curvas.

Após algumas voltas, numa relargada voltando de bandeira amarela, Massa ultrapassa o francês Esteban Ocon, da Force India, e assume o quarto lugar. Na frente, Lewis Hamilton e Sebastien Vettel se envolveram em uma batida que poderia custar punição aos dois. Na nova relargada após o carro de segurança, Massa chega a ultrapassar Vettel pelo segundo lugar, mas o alemão logo recupera a posição e o brasileiro cai para terceiro. Se Vettel e Hamilton fossem punidos pelo acidente e a troca de insultos gestuais, Massa poderia assumir a liderança e vencer a prova.

Eis que a corrida é suspensa com bandeira vermelha por causa do excesso de detritos na pista perigosa após um acidente entre os carros da Force India, de Ocon e do mexicano Sérgio Perez. Assim, todos tiveram que voltar para os boxes, sair dos carros e esfriar a corrida. Na relargada, meia hora depois, Massa já perdeu duas posições. E logo em seguida, abandona com problemas no carro. Terminava assim mais um domingo frustrante para o Brasil na Fórmula 1, cada vez mais abandonada pelo torcedor e pela própria Rede Globo, que a transmite.

Desde 2009 o Brasil não vence e nem disputa um título de Fórmula 1. Não com o mesmo Felipe Massa, então na Ferrari. Mas com Rubens Barrichello, ex-piloto da equipe italiana, que sofreu com o protecionismo da mesma ao companheiro alemão Michael Schumacher, a ponto de ser obrigado a ceder uma vitória para ele no GP da Áustria de 2002.

Em 2008, Rubinho (outra mania que a mídia precisa parar: chamar piloto brasileiro por diminutivo), que já tinha saído da Ferrari três anos antes, sofreu com a Honda, que não marcou nenhum ponto.

Naquele ano foi Felipe Massa quem mais teve chances de título. Era o Grande Prêmio do Brasil, em Interlagos, SP. Por uma posição de Lewis Hamilton, perdeu o título da temporada, que foi para o primeiro negro a ser campeão na categoria mais elitista do mundo (embora a família de Hamilton já fosse rica). Se Massa ganhasse seria o primeiro brasileiro campeão de Fórmula 1 desde 1991, com Ayrton Senna. Quebraria um jejum de dezessete anos.

No ano seguinte, Barrichello já estava quase desempregado - como Massa este ano – quando a massa falida da equipe japonesa foi comprada por Ross Brawn, antigo projetista da Ferrrari, que transformou o patinho feio num cisne vencedor. Barrichello e Jenson Button foram mantidos na nova equipe Brawn GP (hoje a Mercedes, de Hamilton, campeão de 2008). E quem brilhou... foi o outro inglês, que acabou sendo o campeão. Mas Barrichello, até o GP do Brasil, antepenúltima prova, ainda tinha chances de título.

Naquele mesmo 2009, no GP da Hungria, circuito de Hungaroring, Budapeste, Massa levou uma mola em cheio na cabeça (atravessou o capacete) que se soltou do carro de quem? Da Brawn de Rubinho. A então promessa de títulos brasileiros da Fórmula 1 correu risco de morte. Ficou de fora do resto da temporada. Só voltou no ano seguinte. Já como companheiro de equipe de Fernando Alonso.

Aí sim, o Brasil nunca mais venceu, muito menos disputou um título de temporada. Massa ainda teve que ouvir o seu engenheiro na Ferrari dizer, pelo rádio, no GP da Alemanha 2010, que Alonso estava mais rápido do que ele na Alemanha e por isso deveria deixá-lo passar para o primeiro lugar.  

Na verdade, o bom momento de Felipe Massa foi apenas um hiato de uma maldição contra o automobilismo brasileiro que começou em outra categoria, na Fórmula Indy, mas que teve mais efeito na Fórmula 1.

Em 1993, Emerson Fittipaldi, primeiro brasileiro campeão e bicampeão de Fórmula 1, em 1972 (Lotus) e 1974 (McLaren), correndo pela equipe Penske, conquistava pela segunda vez, as 500 Milhas de Indianápolis, prova mais tradicional do automobilismo norte-americano e mundial.

Na sua primeira vitória, em 1989, bebeu o leite fornecido por produtores locais a todos os vencedores da prova. Respeitou uma tradição de quase 60 anos na época. Mas, quatro anos depois, Emerson recusou o leite, preferindo beber suco de laranja, extraído de sua própria fazenda em Araraquara (SP).

Não estou culpando o Emerson. Ele tinha todo o direito de promover o seu produto de exportação nacional. Só que, coincidência ou não, como uma praga rogada pelos norte-americanos naquele mesmo ano, ele não ganhou a temporada. 

Na Fórmula 1, Senna, que até tinha chances de conquistar o tetracampeonato, acabou derrotado pela Williams-Renault (mesma equipe de Felipe Massa hoje) de Alain Prost, que realmente era muito mais forte que a já combalida McLaren, que corria com um motor Ford Cosworth, comprado usado da Benetton.

Desde então, o Brasil nunca mais foi campeão na Fórmula 1. Só disputou o título uma vez e meia. Senna morreu em 1994, após uma batida forte na curva Tamburello em Ímola, San Marino, e o nosso país só viria a ter um piloto numa equipe forte em 2000, com Barrichello na Ferrari. Mas ele era um simples escudeiro. Já Massa nos iludiu com uma carreira promissora em 2006 e 2007. Quase foi campeão em 2008, mas levou a mola na cabeça no ano seguinte e incorporou a submissão do Rubinho. Ambos fizeram a alegria dos seus companheiros de equipe. Será que a mola renovou a maldição?

Barrichello, quando saiu da Ferrari, foi para Brawn e virou coadjuvante do Button. Depois da Williams, viu o companheiro Niko Hülkenberg ser pole num GP do Brasil. Antes mesmo da Ferrari, no GP da Europa de 1999, em Nürburgring, Alemanha, já tinha visto seu companheiro Johnny Herbert conquistar a única vitória da sua então equipe Stewart (depois Jaguar e hoje Red Bull). Já Massa virou escudeiro do Raikkonen e do Fernando Alonso. Foi para a Williams para ser ofuscado pelo companheiro finlandês Valtteri Bottas, que foi para uma equipe grande, a Mercedes. E essa mudança garantiu Massa na Fórmula 1 este ano, continuando na hoje fraca Williams. Sobrinhos e filho de brasileiros campeões também não vingaram. Christian Fittipaldi, Nelsinho Piquet e Bruno Senna.  

O Rio de Janeiro também perdeu o seu autódromo de Jacarepaguá para o parque olímpico e nada de ser construído outro em Deodoro, como prometeram. E mesmo o próprio Emerson foi à falência. A fazenda do “maldito” suco foi até vendida.

Tudo bem que na Fórmula Indy o Brasil voltou a ter bons momentos. Tony Kanaan foi campeão em 2004. Ele também venceu as 500 Milhas em 2013. Gil de Ferran em 2003. E Hélio Castro Neves conquistou três vezes (2001, 2002 e 2009). Mas também houve maldição. Hélio chegou a ser preso por sonegação de impostos (felizmente foi absolvido) e Cristiano da Matta teve que abandonar a carreira após um acidente com um cervo que também quase lhe custou a vida. A Fórmula Indy nem desperta mais tanto interesse por aqui. Assim como a Fórmula E, com carros elétricos, na qual Nelsinho venceu uma das duas temporadas disputadas até agora.  

Ah! A corrida de Baku foi vencida pelo australiano Daniel Ricciardo, da Red Bull (que já dominou a Fórmula 1 por quatro anos e hoje também está decadente), com o ex-companheiro de Massa na Williams, Valtteri Bottas, em segundo e atual, o jovem canadense Lance Stroll (filho de patrocinador) chegou em terceiro. Se o carro não tivesse quebrado, dava para o Massa vencer no Azerbaijão.

Emerson Fittipaldi não bebeu o leite da vitória em 1993 ao preferir o seu suco de laranja, mas, quase 25 anos depois, eles ainda dão muita azia e azar para o automobilismo brasileiro. Ou será a mola de 2009 do Rubinho Barrichello?


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e


PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310

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