segunda-feira, 31 de julho de 2017

Transitoriedade


* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral


Desço da marinete com a garganta seca, as costas cheias de nós causados pelo desconforto. Nem me dou conta que a tardinha caiu feito manta de vó. Ajeito os pés dentro dos tênis novos, uma poeira vermelha tinge o branco da lona.

Sem opção, caminho na direção da praça onde mangueiras com suas folhas vermelhas cantam sons misturados e passarinhos se recolhem em algazarra.

O sino que já não existe, substituído por um disco que o imita, convoca os fiéis pra missa das seis. As flores, amontoadas num canteiro sem jeito, se entregam aos caprichos de raparigas mimadas, algumas jazem sem vida esquecidas num banco.

O cheiro da pipoca refresca minha memória, mas o vendedor é outro. O empório deu vez a uma casa de fama duvidosa, não há mais balas coloridas e nem o Sheik se espreguiçando em cima da sacaria.

Percebo que a cada passo que dou meus olhos embaçam e a garganta dói. O que mudou? Fui eu ou a cidade? Fui eu?
Ou essa bendita transitoriedade?

De repente ouço meu nome numa voz que reconheço. Corro para o seu ninho de braços pequenos, me encolho menino e mato a saudade sem dó.


* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário




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