terça-feira, 25 de julho de 2017

O voo, de Vitor Soltau


* Por Marcelo Labes


No primeiro livro a gente faz questão de acertar, mas sempre erra mais do que acerta e, no fim das contas, estão lá nossos erros, acertos, acidentes que deram certo, tentativas frustradas de mais acertos que erros, e por aí vai. Para os que não desistem do primeiro voo, vem o aprendizado de ter continuado a voar. Não me refiro aqui, preciso deixar claro, ao primeiro EP de Vitor Soltau, de nome Gratidão, de 2016, que já é um acerto em si. Mas preciso falar do álbum desse jovem músico, O Voo, que será lançado em breve, cujo áudio já podemos ouvir aqui e aqui, e que demonstra que Vitor amadurece enquanto compõe e voa mais, mais alto.

Conheci o Vitor num sarau muito bonito, organizado aqui em Blumenau. De uma reunião de poetas — alguns de primeiros versos, alguns de muitos livros — eis que lá surge o menino com o violão. Pensei: isso pode sair muito bem como também pode resultar muito mal. A minha surpresa! Porque Vitor Soltau é sonoro dum jeito muito específico, e o que canta são poemas muito bem escritos. De “jovem rapaz com um violão embaixo do braço” (minha primeira impressão), fiquei orgulhoso de ter tido oportunidade de ouvi-lo.
Avisei-o de que escreveria este singelo texto e pedi, claro, ajuda para identificar ritmos e saber com o compositor sobre suas composições. Faixa a faixa, eis o disco:
Menino Passarinho, a canção que abre O voo, não poderia ter sido melhor escolhida para a ocasião. Ali Vitor se apresenta como o compositor sensível que acompanharemos pelas faixas seguintes do álbum. E já na abertura ele nos aponta que as palavras, em suas composições, têm valor de importância, pois que:
Pássaros voando são poemas Que pousaram tão distante Que nos falta alcançar
Poetas caçam pássaros voando Nessa imensidão azul Que temos a explorar
Dos cantos de pássaros na abertura da música, passando pelo dedilhado singelo, sonoro, sincero, voamos alto, voamos junto do artista. Por um instante, o voo é o que existe. Mas se a gravidade há de exercer sua força — e ela exerce, salve Newton! — Cenários de Beleza apresenta-se telúrica, breve, sagaz. O pouso é forçado e turbulento, e chegamos onde “São tantos cenários de beleza / Torturados pelas elites efêmeras”. Exatamente aqui, eu diria. Mas Vitor faz isso de maneira leve, ainda. Numa voz de sussurro e sossego (ou será tensão?), o artista que nos havia convidado ao voo, nos traz de volta à terra e acho que essa é a primeira vitória do álbum.
Vitor Soltau viveu em Córdoba, Argentina, e é do país vizinho que traz o folklore que mistura ao samba para este passeio litorâneo, Canto Estelar, em que nos é apresentada a cosmogonia do compositor: “Busque o bem sempre”, é o recado.
Gratidão, este candombe, traz tanto que emociona. Voamos novamente, e dessa vez para o universo familiar de Vitor. O artista que havia se apresentado nas faixas anteriores, agora apresenta o lugar de onde veio. E poetiza a família, a quem agradece; agradece “à estrela / à alegria / de vê-la”, agradece “às Marias e Joanas / em semanas tão mundanas”. E é assim que Vitor desenvolve suas composições: entre céu e terra, voo e queda, sendo sobretudo sincero, mostrando-se profundamente agradecido.
O fato de ter morado fora, e quem já passou que fosse uma semana fora do Brasil entenderá, explica a ingenuidade bonita de Como Vento, onde o Brasil é cantado com clichês que o descrevem, com os quais o descrevemos e de como lembramos de casa quando não andamos por aqui. Lembrei-me do final de minha primeira viagem, quando cruzei com um rapaz pelas ruas de San Telmo, em Buenos Aires. Ele carregava um surdo e pedi que ritmasse samba. O que senti naquela hora, Vitor descreveu nesta faixa.
Curiosa, Poesia em Ti começa funk, e funk permanece. Aqui o compositor pede ajuda de poetas mais velhos e segue de mãos dadas com Drummond, Manoel de Barros, Pessoa... e nós damos as mãos ao artista que visita sons e palavras com leveza e segurança, na companhia de Marianella Anelli Colucci, que o acompanhará também em A(mar), Aquela do Céu e Estrella. A distância, a propósito, é encurtada pelos versos claros desta bela canção em espanhol: “No me olvidé de la fuente / de sus ojos brillantes”.
Porque O Voo precisa terminar (e são assim essas experiências de lirismo, elas precisam ter fim), termina logo nos lembrando do inevitável. Tempo tem essa capacidade de encerrar o disco, nos fazer pousar (agora um pouso tranquilo, equilibrado, sem turbulência) e lidar com o dolorido da falta dele, como numa cantiga de ninar que não faz dormir, mas convida à insônia.
Ouçam Vitor Soltau sem medo. Permitam-se esse Voo para o qual o artista, já alto, nos convida a voar junto. Se for um dia de vento, o Voo será certamente mais prazeroso, ainda que nos dias nublados e úmidos (aqueles em que tememos embarcar), a voz, os violões, os ritmos e os poemas de Soltau possam nos mostrar que pra além das nuvens existe um céu de brigadeiro. Não que isso seja uma novidade, mas é sempre bom parar para recordar — e o menino-passarinho faz isso muito bem.



* Poeta de Blumenau/SC

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