sábado, 7 de janeiro de 2017

Tradições, contradições

* Por Walter da Silva


Meu primeiro empregador era um homem branco, sanguíneo e meio gozador. Eu tinha quatorze anos e começava os primeiros passos em busca de uma carreira profissional. Curioso é que havia ganhado um curso de datilografia numa troca feita com um retrato a crayon que executei da mulher do dono do Colégio. Em virtude desse intercâmbio, fui contratado para trabalhar no escritório da empresa. Nessa época, saber datilografar era uma façanha relevante. Contudo, o objetivo deste texto não é falar sobre mim, mas sobre o empregador. Quando ele notou que eu fizera um comentário elogioso sobre a Revolução de Sierra Maestra, ali ele levantou a voz e bradou: “O mal por si se destrói”. Claro que ele era uma pessoa do grupo que odiava – e ainda odeia – o comandante Fidel. Afora o fato de, em sendo seu afilhado de crisma, eu estar contrariando uma suposta ideologia à que eu precocemente supunha entender. Eu havia lido bastante sobre a Revolução para derrubar o governo subserviente aos interesses norte-americanos, de Fulgêncio Batista. De fato, de fulgente o presidente de Cuba só tinha mesmo o nome.

Reacionário e católico praticante, esse empresário que já deve estar na casa dos noventa anos, não acreditava que um garoto estudante de segundo grau, pudesse expressar sua opinião sobre um assunto restrito a homens maduros. Durante dois anos pude suportar com respeito as idiossincrasias desse cara-pálida, cujo principal temor era que o socialismo cubano desse certo e se alastrasse pela América Latina, desembarcando no Brasil dos anos sessenta. Uma revolução não é um golpe de estado. Longe, muito longe de sê-lo, ela jamais se encerra e é por isso que seu principal êxito reside na evolução de suas principais premissas. Logicamente, uma revolução também não é uma brincadeirinha de fuzis e metralhadoras, em cujo palco não se pode confundir os litigantes. Na análise da revolução cubana todos os detalhes devem ser considerados. Desde os mais heroicos até aqueles a que a lógica humanística pode apelidar de violência extrema, supressão de direitos, etc. Revoluções não são uma mera provocação diplomática ou uma tentativa de negociação de távola redonda. São uma ruptura com o status quo.

O lugar-comum de se associar o nome de Fidel Castro a um ditador sanguinário é próprio de quem não entra na chuva com medo de se molhar. Erros são cometidos em nome de um tipo de liberdade e cada povo tem sua peculiar, ainda que não lute feroz e recorrentemente em seu alcance. A revolução cubana é, com base nesse argumento, um caso particular na busca de certo tipo de liberdade. O contrário disso é praticar como o Brasil vem praticando, uma política de boa vizinhança com os Estados Unidos, que não fizeram de Brasília um cabaré, como ocorria durante muito tempo na Cuba sob o governo de Batista. Mas o golpe de estado de 1964 – e é isso que se deu no Brasil – ocorreu com a anuência do governo americano, mas não com a cumplicidade de seu povo. Não seria tempestivo listar aqui as baixas ocorridas dos dois lados. Os estudiosos de golpes de estado já o fizeram. E todos os homens de boa-vontade sabem muito bem dos males que guerras e revoluções provocam numa sociedade, durante algum tempo. As questões que se devem fazer são: valeu mesmo a pena? E o que representa para o povo cubano em especial, os avanços na educação, na cultura e na saúde? Não sei se meu ex-empregador com a mesma idade do comandante morto recentemente, ainda profetizaria o fim de Cuba como fez há quase sessenta anos. E será que ele disfarçaria ao se “esquecer” de ter proferido tal profecia?

Camaragibe, dezembro de 2016


* Escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário