quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Jovem, bela e repórter

* Por Mara Narciso


Desde quando um branco tem por principal bandeira defender os negros, ou um poderoso veste a camisa em defesa dos que nada possuem, ou um homem lute pelos direitos das mulheres, ou quem sabe um jovem passe a maior parte do seu tempo defendendo os velhos? Cada qual preserva seus próprios interesses, protegendo suas causas, como fazem os políticos e grupos corporativos. Crianças, idosos e animais não conseguem se defender a contento. É preciso que alguém os salve. E que todas as omissões sejam castigadas.

Ser bonito não exige mérito. É gratuito e fruto do acaso genético. Em todos os quadrantes, ninguém tem dúvidas quando está diante da beleza, a qual é ultravalorizada. Pelo excesso, a palavra “lindo” perde sua força por ser o vocábulo mais escrito nas redes sociais. De fato, nunca vi uma mulher linda reclamar de sê-lo. Já as feias... Bem, ser feio é uma maldição, tanto que as bruxas são grotescas, e a presença de feiúra é associada à maldade. Quem suspeitaria no Brasil que alguém bem vestido e lindo cometeria um assassinato cruel? Pouquíssimos.

Outra palavra que se esvazia, por ser presença obrigatória em homenagens à mãe ou a outra mulher madura é a qualificação de “guerreira”. Falando assim, parece que nenhuma delas vence a batalha. Mulheres podem estar em guerra, para ao fim se tornarem vencedoras. As pessoas feias e as velhas estão em toda parte, exceto trabalhando como repórter na tela da Globo News, uma emissora que não sai do ar. O amadurecimento, o saber, a segurança, a experiência são pontos positivos em qualquer nação, exceto no Brasil, país cuja população envelhece, mas fazer 40 anos é ficar velho. Com a mudança das leis trabalhistas, pergunta-se: quem dará emprego a alguém às vésperas de fazer 65 anos? A televisão é que não dará. Na produção, a experiência conta, mas em frente às câmeras, apenas rostos bonitos e jovens, que não chegam aos 30 anos. E a credibilidade, como fica? Jamais na condução das reportagens, a velha guarda, com maior substância, tem chance quase única nas opiniões.

Enquanto as pessoas continuarem a ter vergonha dos anos que viveram, camuflando suas idades numéricas com obstinação, com se fossem segredo de estado, a desvalorização do velho se petrificará. A mulher, bem mais do que o homem, dono e senhor de tudo, torna-se invisível. Quantas mulheres com mais de 70, casadas com homens de 30 anos recebem deferência dos demais? As mulheres jovens não se importam (?) com homens de corpos decadentes, desde que possam trazer-lhes benefício social, financeiro, intelectual ou outro. No gênero oposto isso também é verdade, mas, enquanto os homens maduros vivenciam o fato com glória, a mulher é jogada na fogueira. O amor não tem idade, assim como o interesse também não. Que cada um faça o que manda a sua vontade ou seu sentimento.

Numa briga, caso um dos contendores seja idoso, isso lhe será jogado em insulto feito munição. A questão não é exigir que se acatem os velhos, amaldiçoando a juventude por ser jovem, ameaçando-a de que um dia deixará de sê-lo. Isso é apelar pelo óbvio, mesmo que muitos se esqueçam disso. Ainda que demore uma geração, é preciso educar as crianças, para a respeitabilidade acontecer. Sem grosserias nem ofensas, mas sem edulcorar a velhice, o velho precisa usufruir os seus direitos, sendo respeitado agora, sem esperar nem um minuto a mais. Partindo dele próprio, ao se dar ao respeito, com o tempo, muito tempo, nossa civilização será civilizada.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Um comentário:

  1. O final, desejando que com o tempo nossa civilização torne-se civilizada, resume tudo. Muito bom, Mara. Feliz 2017.

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