quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Amor à poesia


Por Pedro J. Bondaczuk


A beleza nem sempre é sinônimo de bondade ou de excelência. Não se pode esquecer, por exemplo, que na liturgia cristã, Lúcifer era o anjo mais belo junto ao trono de Deus e, no entanto... constituiu-se no paradigma (e fonte) de toda a maldade no universo.

Uma bela flor encanta e alegra, mas sua beleza é efêmera: não tarda a murchar, secar, fenecer e morrer. Uma pessoa bela envelhece e perde o viço que a caracterizou na juventude. Há, porém, um tipo de beleza que não é passageiro e que tende a se acentuar à medida em que o tempo passa: é a interior, ditada por um coração compreensivo, por atos de bondade e amor e por irrestrita solidariedade. Este tipo é insuperável. Desperta irresistível paixão.

Neste mundo de aparências, a beleza exterior tem sido supervalorizada, sublimada, perseguida, colocada por muitos como uma espécie de ideal, mesmo sendo transitória. Diríamos até que ela é "virtual", para usar expressão tão em voga, uma espécie de ilusão, de fantasia da mente, de delírio. Afinal, restringe-se a um determinado tempo, curtíssimo por sinal.

Uma pessoa bonita, por mais que tente, nunca se livra dos efeitos transformadores dos anos. E estes, salvo na passagem da infância para a adolescência e às vezes desta para a maturidade, jamais são para melhor. Representam desgaste, decadência, envelhecimento. E, por conseqüência, sofrimento. Quanto mais bela é uma pessoa quando jovem, maior será sua frustração quando envelhecer, murchar, fenecer.

Uma das minhas maiores satisfações, físicas e espirituais, é o contato com a natureza. É, por exemplo, um passeio despreocupado por um bosque, com todos os sentidos alertas, usufruindo do aroma das flores, do canto dos pássaros, do frescor da sombra e do sabor exótico dos frutos silvestres. Ou é a caminhada preguiçosa e sem rumo por um jardim florido, com a explosão de cores, em cada canteiro, ao meu redor.

Essa é a minha fonte de inspiração. Claro que aquilo que tenho para expressar está em mim, adormecido, pronto para ser despertado. Reitero que, para usufruirmos da beleza contida (nem sempre de forma ostensiva) em todos os momentos de nossas vidas, temos que estar predispostos para o que é bom e belo. Precisamos adotar atitudes positivas, por piores que sejam as circunstâncias e as pessoas que nos rodeiem.

Quando nos limitamos a temer as coisas más, sem coragem para enfrentá-las e tentar modificá-las, na verdade as potencializamos em nossa imaginação, e as tornamos maiores e piores do que de fato são. E elas acabam por envenenar as nossas vidas.

Todos somos, quando amamos, um pouco poetas, mesmo que não tenhamos escrito um único verso em nossa vida. Passamos a ver o mundo por um filtro encantado de magia e de beleza. Alguém chegou a escrever (não me lembro quem), jocosamente, que quando está amando, até um cachorro late em versos. Exagero! Mas o amor tem mesmo essa característica de nos tornar receptivos ao que é bom, positivo, belo e transcendente. Até sofrer por amar vale a pena.

Por outro lado, quando alimentamos pensamentos mórbidos, sombrios e fatais, questionamos a vida, sua origem, finalidade e significado. Ou seja, mesmo que não venhamos a nos dar conta, filosofamos. Há riqueza que compre a emoção despertada por um poema bem-composto, por uma melodia harmoniosa, por uma escultura perfeita, por uma tela de onde explode a vida em cores, luzes e sombras?

Há recurso material capaz de compensar a sabedoria que existe na renovação da natureza? Há maneira de pagar a sensação de plenitude que nos dão a sucessão de gerações, a inocência de uma criança, os ideais dos moços, o desenvolvimento dos filhos, a chegada dos netos e o resultado que vemos da educação que demos àqueles que nos competia dar? Essas são as substâncias da vida.

Amo a poesia, que tem o dom de transformar o cenário mais horrendo, num painel de beleza que nos encanta. Só através dela é possível vislumbrar, em um pântano cinzento e apodrecido, a brancura de um solitário lírio, de pureza absoluta, que transforma, num passe de mágica, a sombria paisagem.

Por suas lentes mágicas e positivas, podemos vislumbrar, numa suja poça de água, o reflexo da lua e das estrelas, numa noite clara de verão. A poesia não só trata das “dores do mundo”, como as atenua e nos conforta. Embora profissional do texto, com décadas de exercício e incursão por praticamente todos os gêneros (literários ou não) e tipos de redação (inclusive peças publicitárias, documentos oficiais os mais variados etc. etc.etc.), considero-me, sobretudo, poeta. Bom? Não sei! Presumo que regular.

Afinal, creio que não foi por acaso que venci vários concursos – locais, regionais e nacionais – de poesia, nos quais era a “zebra”. Ou seja, era o desconhecido dos jurados e, a priori, não estava, em absoluto, entre os favoritos, pelo contrário. Algum mérito, portanto, a minha maneira de “poetar” deve ter.

Amo a poesia. Escrevo com emoção, paixão e, mais do que isso, com devoção. Não faço dela mero expediente para ganhar dinheiro. Para isso, para assegurar o meu sustento, valho-me de outros tipos de textos, para os quais fui treinado por anos – e, convenhamos, muito melhor cotados no mercado editorial – que escrevi, em profusão, por décadas e décadas de exercício profissional.

A poesia é a maneira que conheço de orar. É a forma que utilizo para agradecer a Deus pela vida, pelo mundo maravilhoso que habito (com seus misteriosos prodígios); pelos encantos que a natureza me prodigaliza; pelo conjunto de valores e de princípios que me foram incutidos por pessoas nobres, generosas e idealistas. Só nela me realizo! Só nela me identifico! Só nela me sinto humano e, portanto, capaz de tratar, com compreensão e ternura, das “dores do mundo”. É a minha vez, a minha voz e o meu passaporte para a felicidade!

  
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk




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