terça-feira, 16 de agosto de 2016

Ouvinte generoso


A solidão é, conforme ressalta o romancista norte-americano Thomas Wolfe, em um dos seus mais conhecidos romances, "a experiência central e inevitável do ser humano". Todos precisamos do convívio com nossos semelhantes, de sermos amados, de alguém que nos valorize, nos admire, nos respeite, nos compreenda e, sobretudo, nos ouça. Poucas (pouquíssimas) pessoas, no entanto, estão dispostas a ouvir de fato seus semelhantes, mesmo as que têm nesse ato o fundamento da profissão que exercem, como psiquiatras, psicólogos, sacerdotes ou psicanalistas.

Um dos mais belos e profundos romances de língua inglesa, de autoria da escritora norte-americana Taylor Caldwell, tem nessa atitude – que parece tão simples, mas que se torna a cada dia mais rara – o cerne do seu enredo. Trata-se de "O Confessor", best-seller dos anos 60, publicado no Brasil pela Editora Record. Em determinado trecho, a escritora afirma, pondo as palavras na boca de um dos personagens: "A verdadeira necessidade do homem, sua necessidade mais premente, é de alguém para ouvi-lo, não como um 'paciente' e sim como uma alma humana. O homem precisa dizer a alguém tudo o que pensa, as coisas espantosas que encontra ao tentar descobrir porque nasceu, como deve viver e onde está o seu destino".

Somos confrontados, no nosso dia a dia, com súbitas e inesperadas crises – de caráter profissional, social, emocional ou afetivo, entre outras – que enquanto duram, nos parecem insuperáveis. Em casos extremos, tais situações desembocam em becos sem saída tão grandes, ao ponto de muitos cogitarem na insensata e estúpida fuga-limite, através do suicídio. Claro que esta não é, nunca foi e jamais será solução para qualquer tipo de problema. Uma idéia dessas apenas ganha corpo quando o indivíduo está no extremo do abatimento, no auge do desespero, no máximo da vulnerabilidade emocional, quando seu baixo moral é exacerbado a ponto de ofuscar (ou até mesmo extinguir) suas esperanças. E há por aí casos extremos, como estes, em maior quantidade do que qualquer um de nós possa imaginar.

Uma das causas mais comuns (e mais cruéis) desse tipo de depressão é o desemprego. Milhões de brasileiros (e de cidadãos de outros países pelo mundo afora, já que o número mundial de desempregados é estimado em 900 milhões pela Organização Internacional do Trabalho) vivem esse drama, que afeta não apenas a sua condição econômica ou social, mas, sobretudo, seu amor próprio. Uma demissão sem justa causa é muito traumática. Arrasa, entre outras coisas, com a auto-estima de qualquer um. Maior ainda é o desespero do demitido quando ele tem orgulho daquilo que faz e não considera sua atividade como mera fonte de renda, tão somente como um "emprego". Quando ele se preparou por anos a fio para exercer a profissão que lhe dá orgulho a qual é, subitamente, impedido de continuar exercendo, apenas porque o patrão achou que deveria promover "contenção de despesas", para manter intacta sua margem de lucro, em geral superdimensionada. Nestas circunstâncias, sente-se preterido, desprezado, desvalorizado e colocado à margem, como um objeto inútil ou como uma ferramenta envelhecida e que perdeu a serventia. E por maiores que sejam sua força interior e seu autodomínio, é inevitável que venha a ser afetado psiquicamente.

Na maioria das vezes, essas pessoas precisam de pouco, de muito pouco, de pouquíssimo para que possam se reequilibrar e encontrar, com serenidade e cabeça no lugar, a solução para o problema. Carecem de um ouvinte paciente, que não lhes queira dar lições de moral ou se prevalecer de sua fraqueza emocional temporária. Precisam falar, desabafar, gritar o seu desespero, colocar para fora seus recalques e frustrações, sem serem interrompidas e sem que suas palavras sejam recebidas com enfado ou venham acompanhadas de comentários, de cunho moral ou religioso, que mal escondem o desejo de ostentar uma pretensa superioridade por parte do interlocutor.

A citada Taylor Caldwell constata: "Um dos aspectos mais terríveis do mundo atual é que ninguém mais ouve ninguém. Se você está doente ou até agonizante, não tem ninguém para ouvi-lo. Se você está desnorteado, assustado, perdido, desiludido, solitário, não há ninguém para ouvi-lo. Até mesmo os clérigos vivem cansados e apressados". E no entanto, custa tão pouco ouvir com paciência e compreensão.

Milhares de vidas são salvas, diariamente, pelo mundo afora, mediante esse pequenino, anônimo e simples gesto de humanidade. Seja você, também, leitor esclarecido, um ouvinte generoso. Exercite com freqüência esse ato de abnegação com os que o rodeiam. Com o amigo demitido, enquanto você conservou seu emprego e de quem você se afastou, por preconceito ou por receio de ser mal-interpretado. Com o vizinho desempregado, que se tornou subitamente brusco e amargo, atitude que você passou a atribuir a mera "antipatia". Com o estranho, mal-vestido e mal-alimentado, que tenta lhe dirigir a palavra e de quem você foge, sob o pretexto de se prevenir contra a violência.  A atenção que você negar hoje ao seu próximo, poderá lhe faltar amanhã, quando você se encontrar em situação parecida ou, quem sabe, mais grave, e for levado a dizer (ou a se sentir), como o poeta Emílio Moura: "Eu fiquei só diante da vida/e todas as coisas me assustaram..."
    

Boa leitura!


O Editor.

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3 comentários:

  1. Sei ouvir, mas ninguém me ouve. Ninguém fala comigo. A menos que eu pague por isso. Também não confio em ninguém. Não acho razoável abrir a guarda. O veneno na certa virá.

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  2. Sei ouvir, mas ninguém me ouve. Ninguém fala comigo. A menos que eu pague por isso. Também não confio em ninguém. Não acho razoável abrir a guarda. O veneno na certa virá.

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    1. Concordo com Mara, eu desde pequeno sou muito popular, tenho os meus erros, não resta a menor dúvida, frequento sempre lugares simples e, venho observando que infelizmente o bom é sinônimo de otário e o sabido é o que é orgulhoso. É um problema sério, eu me revolto!!!

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