quarta-feira, 13 de julho de 2016

FLIP é festa, não é feira


* Por Mara Narciso
      

Participar da FLIP pela segunda vez é como reler um livro e descobri-lo diferente, ainda que o livro seja o mesmo. A primeira leitura muda o receptor. Paraty, a cidade presépio está lá, com ruas limpas e suas inacreditáveis pedras do calçamento que proíbem saltos altos, suas praças e jardins, casas coloniais brancas recém-pintadas com portas e janelas de cores berrantes vai recebendo seus visitantes. A cidade é invadida por tribos, cujo intuito principal é consumir cultura, em especial Literatura. Afinal, esta é a Festa Literária Internacional de Paraty, na sua 14ª edição, e a mulher é o assunto principal. Ouvem-se alguns idiomas de celebridades e anônimos, que, educadamente, tumultuam a cidade.

A multidão vem em busca da ampla programação, que contempla e cabe em todos os gostos. O inverno faz seu bailado de valsa, ora frio, ora calor. Na versão deste ano a homenageada é a poeta marginal Ana Cristina César (1952-1983). Na abertura é feita a apresentação e justificativa da homenagem, além de mostrar a sua poesia em algumas versões de vídeo. Cada versão é apresentada no início dos trabalhos nos cinco dias de festa. Armando Freitas Filho, poeta e curador da obra de Ana C. e o cineasta Walter Carvalho estão na primeira mesa. Durante sete anos o cineasta filmou o poeta, rendendo o curta-metragem “Manter a linha da cordilheira, sem o desmaio da planície”, um verso de Armando Freitas. Este mexe com a platéia quando diz: “a minha poesia, eu a entendo como a que toca todas as coisas, inclusive as mais monstruosas, que pode tocar um Temer, por exemplo,”, e ainda, referindo-se a Walter Carvalho e o filme: “Ele não tirou os olhos de mim, eu não tirei os olhos dele. Ficamos apaixonados”.

Na Tenda dos Autores, o centro nervoso da FLIP, tem palestra o dia todo, com convidados internacionais e tradução simultânea. A festa prima pelo alternativo. Mostra livro dependurado em árvores e em todo lugar, autores na praça falando sobre Literatura Infantil, poetas vendendo livros improvisados, escritores oferecendo suas obras na rua, indígenas nacionais e estrangeiros em trajes típicos, cantores e músicos em busca de uns trocados, teatro, circo, artesanato, carrinhos e barracas de comida, gente fina em restaurantes caros, bares e lojinhas charmosos.

As atividades culturais, devido ao grande número e simultaneidade, não podem ser vistas de forma abrangente. Há programações oficiais na FlipZona, Casa Folha, Casa Literária e Gastronômica, Shakespeare House, Casa IMS, Casa Rocco, Casa PublishNews, Centro Cultural SESC Paraty e Espaço Itaú Centro de Literatura. Em cada porta o público faz fila, se comprime num ajuntamento, disputa por espaço, ombro a ombro, sendo comum se assistir a várias atrações em pé. É possível ver Frei Beto, Frei Leonardo Boff, Heloisa Buarque de Holanda, Adriana Calcanhoto, Zeca Camargo, Caco Barcelos, Rosely Saião. Depois da venda dos livros dos entrevistados tem fila para autógrafos.

Na Casa Folha o público se espreme no pequeno espaço, em tamboretes ou em pé, enquanto gente lá fora chama os debatedores Marcelo Freixo e Samuel Pessoa para ir pra rua. O deputado estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro fala em nome da esquerda, enquanto o economista defende corajosamente a direita. Do ponto de vista econômico, governos de direita e de esquerda podem usar caminhos semelhantes, levando o mediador a fazer um paralelo entre os Governos Dilma Rousseff e Garrastazu Médici, torturada e torturador. No decorrer da guerra, muitos gritos e insultos, num debate febril e necessário. Afinal, “Para onde vão, a direita e a esquerda do Brasil”? Houve quem dissesse que a argumentação de Freixo é oca, mas dá lição de cidadania, conclamando os brasileiros a aprender a ouvir e também saber como falar, pois o exercício da Democracia exige respeito. Isso a esquerda e a direita precisam descobrir.

Noutra mesa, chamadas de herdeiras de Ana C., as três poetas Annita Costa Malufe, Marília Garcia e Laura Liuzzi discutem a literatura feminina. As jovens protestam contra rótulos, e assim como Ana C., que foi tão livre quanto as três, afirmam ter sofrido influência da homenageada, mas trilham caminhos diversos. São convidadas a ler um poema autoral e Laura Liuzzi lê um que não é dela, para ao final afirmar que se trata de uma má poesia, e que o autor, Michel Temer, não tem legitimidade.

Na tenda do café, o tipo expresso reina soberano, enquanto alguém, isolado numa mesa ao ar livre, toma café, fuma, e se estica nervosamente, com um olho na multidão que entra e o outro na tela do celular. Anseia por uma pessoa que não vem e não disfarça a sua angústia. Ainda que Paraty seja uma festa para o espírito, o coração pula na espera. A FLIP é presença, mas também ausência.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Bacana, Mara. Espero que volte para a próxima, e que a próxima seja melhor que a deste ano - que, consta, ficou devendo às versões anteriores.

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  2. No ano passado o clímax ficou por conta dos artistas pernas-de-pau, que não vieram neste ano. Agradeço o comentário, Marcelo.

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