Obrigação,
não direito
* Por Pedro J. Bondaczuk
A questão do talento sempre despertou controvérsias e
discussões que, ademais, nunca levaram a lugar algum. Quem tem, quem não tem,
por que tem, por que não tem são os aspectos mais debatidos, notadamente por
pais e educadores, preocupados em descobrir e desenvolver vocações.
Há pessoas bem-dotadas que manifestam determinadas aptidões
de forma bastante precoce. Mozart, por exemplo, aos quatro anos já dominava os
princípios da música e dava de dez a zero em muitos marmanjos, que se julgavam
geniais.
Outras, porém, descobrem o que sabem fazer de melhor apenas
em idade bastante avançada. Não raro, todavia, recuperam o tempo perdido e
deixam obras marcantes, que causam pasmo e admiração gerais. E há, também, os
que não detectam seus talentos nunca. Por conseqüência, não fazem nada
bem-feito e são nada mais do que pesos-mortos para a família e a sociedade. Por
que? Essa é a principal questão a ser analisada.
O que vem a ser o talento? Entendo que seja uma aptidão
natural para determinadas atividades, concretas ou abstratas, artísticas ou
profissionais, manuais ou intelectuais. Potencialmente (a menos que se tenha
determinada deficiência física ou mental), todos somos capazes de fazer alguma
coisa bem. Aliás, não somente uma, mas muitas. Todavia, há sempre uma que, se
descobrirmos qual é, e a desenvolvermos, será a que faremos melhor.
Posso contar com um ouvido privilegiado e ter noção de ritmo
e harmonia, mas não saber fazer (ou interpretar) música. Isso não será nenhuma
tragédia. Já pensaram se todos no mundo fossem apenas músicos? Estaríamos em
maus lençóis. É certo que o mundo seria repleto de sons agradáveis e
harmoniosos. Mas quem faria as outras atividades essenciais?
Se não tenho aptidão para a música, tudo bem, provavelmente
me sairei melhor com pincéis e tintas ou com o buril de escultor. Ou terei
talento para me comunicar por escrito com as pessoas, de contar histórias, de
inventar cenários e personagens e me transformarei (não necessariamente) num
escritor. Se bom ou ruim, é outra coisa. Vai depender de outros tantos fatores,
que não exclusivamente do talento, como boa memória, aplicação, leitura,
conhecimentos etc.etc.etc.
Minha aptidão pode nem ser para as artes, mesmo apreciando a
pintura, a música, a escultura, a poesia, o romance, o conto, a crônica e vai
por aí adiante. Também não é nenhuma tragédia. Quem sabe minha vocação seja
para a ciência, para pesquisar os mistérios da natureza e descobrir suas
inflexíveis leis. “Ah, isso não é possível, pois tenho dificuldades em aprender
matemática. E sem ela, nunca serei um cientista!” Tudo bem! Não é caso para se
desesperar.
Posso ter físico privilegiado. Talvez corra mais rápido do
que todo o mundo. Já sei! Nesse caso minha aptidão será para o esporte, para o
atletismo ou, quem sabe, o futebol. Se tiver altura acima da média, posso fazer
sucesso no vôlei ou no basquete. Se contar com músculos desenvolvidos, o
halterofilismo será um bom caminho. Mas... e se, além de não ter vocação para
as artes e para a ciência, eu não tiver físico privilegiado? O que poderei fazer
de útil e produtivo na vida? Muita coisa!
Conheci, há alguns anos, um sujeito de inteligência
curtíssima. Um chimpanzé, bem treinado, era um Einstein diante dele. Não
cantava, não compunha, não pintava, não esculpia e mal sabia desenhar seu nome.
Era frágil, como um cristal e uma simples gripe se tornava, para ele, uma
tragédia grega. À primeira vista, a tal pessoa não tinha talento para
coisíssima alguma. Não tinha? Engano!
O nosso vulnerável camarada tinha uma habilidade
impressionante com as mãos. Trabalhava, por exemplo, com o vime como jamais vi
artesão algum trabalhar. Fazia cestos de todos os tipos e tamanhos e outros
tantos objetos decorativos usando esse material com incomparável perfeição.
Ademais, sabia bordar, fazer crochê e produzia peças de artesanato preciosas e
bastante cotadas, que lhe garantiam o sustento.
Ouço, amiúde, pessoas dizerem que todos têm “direito” a
algum talento. Que a natureza está, portanto, em débito com os que não possuem
nenhum. Discordo dessas afirmações e por dois motivos.
O primeiro, é que não existe ninguém que não tenha nenhuma
aptidão. Há, sim, muitos que não a descobriram (ainda) e, por isso, não a
desenvolveram. Podem, claro, não o descobrir nunca. Mas... O segundo motivo
deixo para o dramaturgo norueguês, Henrik Ibsen, declinar. Esse hábil homem de
teatro pôs na boca de um dos seus personagens esta enfática declaração, com a
qual concordo plenamente: “O talento não é um direito, é uma obrigação”. Bingo!
Afinal, ninguém veio ao mundo meramente a passeio. Nele, não
há lugar para omissos e acomodados, que apenas consumam seus parcos recursos e
poluam seu solo, águas e ar.. Na espaçonave Terra, não há passageiros. Todos
somos tripulantes.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Meus não talentos são vários: matemática, música, jogos de uma maneira geral, especialmente com bola, língua estrangeira, habilidades manuais são nulas. Sem contar a falta de saúde. Diante de tantas dificuldades até que não me saí tão mal na vida.
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